TOC - Transtorno Obsessivo Compulsivo

Agradeço aos leitores desta página como também do Portal Salgueiro pelos elogios  e pelos e-mails recebidos pedindo assuntos ligados ao transtorno mental. Espero que este assunto torne vocês, caro leitores, pessoas com auto-estima. 

Introdução

Sou ou não sou um portador do TOC? Eis uma pergunta que você pode ter se feito eventualmente. Provavelmente você ouviu em algum programa de rádio ou TV ou leu em alguma reportagem de jornal ou revista que lavar as mãos seguidamente, revisar várias vezes as portas, janelas ou o gás antes de deitar, não gostar de segurar-se no corrimão do ônibus, evitar usar as toalhas de mão utilizadas pelos demais membros da sua família, não conseguir tocar com a mão no trinco da porta de um banheiro público, ter medo de passar perto de cemitérios ou entrar numa funerária, de deixar um chinelo virado, assim como outros comportamentos semelhantes, podem, na verdade, constituir sintomas do chamado transtorno obsessivo-compulsivo ou TOC. E você deve ter ficado com dúvidas quanto a ser ou não um portador.

Medos e preocupações fazem parte do nosso dia-a-dia. Aprendemos a conviver com eles tomando certos cuidados. Fechamos as portas antes de deitar, lavamos as mãos antes das refeições ou depois de usar o banheiro, desligamos o celular antes da sessão de cinema ou verificamos periodicamente o saldo bancário de nossa conta. Esses mesmos comportamentos e preocupações, entretanto, podem se tornar claramente excessivos, quando repetidos inúmeras vezes em um curto espaço de tempo e quando acompanhados de grande aflição. É comum, ainda, pelo tempo que tomam, que comprometam as rotinas e o desempenho no trabalho. Isso configura o que, de forma convencional, chamamos de obsessões ou compulsões, sintomas característicos de um transtorno bem mais comum do que se imagina, o TOC.

O que é o TOC e quais são os seus sintomas?

O TOC é um transtorno mental incluído pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-IV) entre os chamados transtornos de ansiedade. Manifesta-se sob a forma de alterações do comportamento (rituais ou compulsões, repetições, evitações), dos pensamentos (obsessões como dúvidas, preocupações excessivas) e das emoções (medo, desconforto, aflição, culpa, depressão). Sua característica principal é a presença de obsessões: pensamentos, imagens ou impulsos que invadem a mente e que são acompanhados de ansiedade ou desconforto, e das compulsões ou rituais: comportamentos ou atos mentais voluntários e repetitivos, realizados para reduzir a aflição que acompanha as obsessões. Dentre as obsessões mais comuns estão a preocupação excessiva com limpeza (obsessão) que é seguida de lavagens repetidas (compulsão). Um outro exemplo são as dúvidas (obsessão), que são seguidas de verificações (compulsão).

O que são obsessões?

Obsessões são pensamentos ou impulsos que invadem a mente de forma repetitiva e persistente. Podem ainda ser imagens, palavras, frases, números, músicas, etc. Sentidas como estranhas ou impróprias, as obsessões geralmente são acompanhadas de medo, angústia, culpa ou desprazer. O indivíduo, no caso do TOC, mesmo desejando ou se esforçando, não consegue afastá-las ou suprimi-las de sua mente. Apesar de serem consideradas absurdas ou ilógicas, causam ansiedade, medo, aflição ou desconforto que a pessoa tenta neutralizar realizando rituais ou compulsões, ou através de evitações (não tocar, evitar certos lugares).

As obsessões mais comuns envolvem:

  • Preocupação excessiva com sujeira, germes ou contaminação

  • Dúvidas

  • Preocupação com simetria, exatidão, ordem, seqüência ou alinhamento

  • Pensamentos, imagens ou impulsos de ferir, insultar ou agredir outras pessoas

  • Pensamentos, cenas ou impulsos indesejáveis e impróprios, relacionados a sexo (comportamento sexual violento, abusar sexualmente de crianças, falar obscenidades, etc.)

  • Preocupação em armazenar, poupar, guardar coisas inúteis ou economizar

  • Preocupações com doenças ou com o corpo

  • Religião (pecado, culpa, escrupulosidade, sacrilégios ou blasfêmias)

  • Pensamentos supersticiosos: preocupação com números especiais, cores de roupa, datas e horários (podem provocar desgraças)

  • Palavras, nomes, cenas ou músicas intrusivas e indesejáveis

O que são compulsões ou rituais?

Compulsões ou rituais são comportamentos ou atos mentais voluntários e repetitivos, executados em resposta a obsessões, ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente. Os exemplos mais comuns são lavar as mãos, fazer verificações, contar, repetir frases ou números, alinhar, guardar ou armazenar objetos sem utilidade, repetir perguntas, etc. As compulsões aliviam momentaneamente a ansiedade associada às obsessões, levando o indivíduo a executá-las toda vez que sua mente é invadida por uma obsessão. Por esse motivo se diz que as compulsões têm uma relação funcional (de aliviar a aflição) com as obsessões. E, como são bem sucedidas, o indivíduo é tentado a repeti-las, em vez de enfrentar seus medos, o que acaba por perpetuá-los, tornando-se ao mesmo tempo prisioneiro dos seus rituais.

Nem sempre as compulsões têm uma conexão realística com o que desejam prevenir (p ex., alinhar os chinelos ao lado da cama antes de deitar para que não aconteça algo de ruim no dia seguinte; dar três batidas em uma pedra da calçada ao sair de casa, para que a mãe não adoeça). Nesse caso, por trás desses rituais existe um pensamento ou obsessão de conteúdo mágico, muito semelhante ao que ocorre nas superstições.

Os dois termos (compulsões e rituais) são utilizados praticamente como sinônimos, embora o termo “ritual” possa gerar alguma confusão, na medida em que praticamente todas as religiões e diversos grupos culturais adotam comportamentos ritualísticos e contagens nas suas práticas: ajoelhar-se três vezes, rezar seis ave-marias, ladainhas, rezar 3 ou 5 vezes ao dia, benzer-se ao passar diante de uma igreja. Existem rituais para batizados, casamentos, funerais, etc. Além disso, certos costumes culturais, como a cerimônia do chá entre os japoneses, o cachimbo da paz entre os índios, ou um funeral com honras militares, envolvem ritos que lembram as compulsões do TOC. Por esse motivo, há certa preferência para o termo “compulsão” quando se fala em TOC.

As compulsões mais comuns são:

  • De lavagem ou limpeza

  • Verificações ou controle

  • Repetições ou confirmações

  • Contagens

  • Ordem, simetria, seqüência ou alinhamento.

  • Acumular, guardar ou colecionar coisas inúteis (colecionismo), poupar ou economizar.

  • Compulsões mentais: rezar, repetir palavras, frases, números.

  • Diversas: tocar, olhar, bater de leve, confessar, estalar os dedos.

Compulsões Mentais

Algumas compulsões não são percebidas pelas demais pessoas, pois são realizadas mentalmente e não mediante comportamentos motores, observáveis. Elas têm a mesma finalidade: reduzir a aflição associada a um pensamento. Alguns exemplos:

  • Repetir palavras especiais ou frases

  • Rezar

  • Relembrar cenas ou imagens

  • Contar ou repetir números

  • Fazer listas

  • Marcar datas

  • Tentar afastar pensamentos indesejáveis, substituindo-os por pensamentos contrários.

Compulsões mais comuns

Preocupação com sujeira, contaminação, medo de contrair doenças e lavagens excessivas

Uma das obsessões mais comuns é a preocupação excessiva com sujeira ou contaminação, seguida de compulsões por limpeza, lavações excessivas e da necessidade de evitar tocar em objetos, ou de freqüentar lugares considerados sujos ou contaminados. Manifesta-se sob diversas formas, como as relacionadas a seguir:

  • Lavar as mãos inúmeras vezes ao longo do dia;

  • Lavar imediatamente as roupas que tenham sido usadas fora de casa (mesmo limpas);

  • Lavar as mãos imediatamente ao chegar da rua;

  • Trocar excessivamente de roupa;

  • Tomar banhos muito demorados, esfregando demasiadamente o sabonete;

  • Usar sistematicamente o álcool para limpeza das mãos ou do corpo;

  • Lavar as caixas de leite, garrafas de refrigerantes, potes de margarina, antes de guardá-los na geladeira;

  • Passar o guardanapo nas louças ou talheres do restaurante antes de servir-se;

  • Usar xampu, sabão, desinfetante ou detergente de forma excessiva;

Evitações

Os pacientes que têm obsessões relacionadas com sujeira ou contaminação, ou mesmo medos supersticiosos exagerados, adotam com muita freqüência comportamentos evitativos (evitações), como forma de não desencadearem suas obsessões. Esses comportamentos, se por um lado evitam ansiedades e aflições, acabam causando problemas que podem chegar a ser incapacitantes, em razão do comprometimento que acarretam à vida diária. Tais restrições são em geral impostas aos demais membros da família o que acaba inevitavelmente provocando conflitos.

Alguns exemplos de evitações comuns em portadores do TOC que têm obsessões por limpeza e medo de contaminação:

  • Não tocar em trincos de portas, corrimãos de escadas ou de ônibus; não tocar nas portas, nas tampas de vasos, descargas ou torneiras de banheiros (ou usar um lenço ou papel para tocá-los);

  • Isolar compartimentos e impedir o acesso dos familiares quando estes chegam da rua; obrigá-los a tirar os sapatos, trocar de roupas, lavar as mãos ou tomar um banho quando chegam da rua;

  • Restringir o contato com sofás (cobri-los com lençóis, não sentar com a roupa da rua ou com o pijama);

  • Não sentar em bancos de praça ou de coletivos;

  • Não encostar roupas usadas “contaminadas”, nas roupas “limpas” dentro do guarda-roupa;

  • Evitar sentar em salas de espera de clínicas ou hospitais (principalmente em lugares especializados em câncer ou AIDS);

  • Não usar talheres de restaurantes ou de outras pessoas da família;

  • Não usar telefones públicos;

  • Não cumprimentar determinadas pessoas (mendigos, aidéticos, pessoas com câncer, etc.);

  • Não utilizar banheiros que não sejam os da própria casa;

  • Evitar pisar no tapete ou piso do banheiro em casa ou no escritório;

  • Não freqüentar piscinas coletivas ou tomar banhos no mar.

Na verdade, a preocupação com sujeira, germes, doenças e contaminação é o tema dominante nos pensamentos e preocupações dessas pessoas. Elas os transformam em cuidados e precauções excessivas e impõem esses cuidados aos demais membros da família. Uma paciente, por exemplo, obrigava seus familiares a trocarem a roupa ou os sapatos para entrar em casa; outra obrigava o marido a tomar um banho imediatamente antes das relações sexuais; uma terceira obrigava o marido a lavar a boca antes de lhe dar um beijo ao chegar da rua e ainda uma outra exigia que seu filho de dois anos usasse luvas para abrir a porta. Essas exigências causavam conflitos constantes, o que comprometia a harmonia conjugal e familiar.

Nojo ou repugnância

Nem sempre as evitações estão necessariamente associadas ao receio de contrair doenças ou ao medo de contaminação por germes ou pesticidas. Alguns pacientes referem que evitam tocar em certos objetos, apenas por nojo ou repugnância: por exemplo, tocar em carne, gelatina, colas, urina, sêmen, sem que necessariamente tenham medo de contrair alguma doença específica, ou que passe pela sua cabeça algum pensamento catastrófico específico. O interessante é que esses sintomas também podem desaparecer com o mesmo tratamento – a terapia de exposição e prevenção de rituais utilizada para o tratamento dos demais sintomas do TOC.

Dúvidas, medo de falhar e necessidade de fazer verificações

Uma das preocupações mais comuns no TOC relaciona-se com a possibilidade de falhar e, em conseqüência, ocorrer algum desastre ou dano (a casa incendiar, inundar ou ser arrombada). Tal preocupação se manifesta sob a forma de dúvidas, necessidade de ter certeza ou intolerância à incerteza, as quais, por sua vez, levam a pessoa a realizar verificações ou repetições como forma de ter certeza e aliviar-se da aflição.

Quando o sofrimento associado à dúvida é grande, alguns portadores do TOC simplesmente se esquivam de situações de responsabilidade. Preferem não sentir a necessidade de realizar verificações, evitando, por exemplo, sair por último do local do trabalho, não sendo, assim, responsáveis por desligar os equipamentos ou por fechar as portas. Acredita-se que certas características pessoais, como um senso exagerado de responsabilidade e conseqüentemente medo de cometer falhas, dificuldade de conviver com incertezas, como comentamos, e um elevado nível de exigência (perfeccionismo) desempenham um papel importante no surgimento e na manutenção das obsessões de dúvida e da necessidade de executar verificações.

As verificações são geralmente precedidas por dúvidas e preocupações com falhas e se destinam a eliminá-las.

As verificações devem ser consideradas sintomas de TOC quando repetidas ou quando o indivíduo sente grande aflição caso seja impedido de executá-las. As situações mais críticas, nas quais o impulso de realizá-las é mais intenso são: a hora de sair de casa, antes de deitar, ao estacionar o carro e ao sair do trabalho.

As verificações mais comuns estão listadas a seguir:

  • Portas e janelas antes de deitar ou ao sair de casa;

  • Eletrodomésticos (ferro de passar, fogão, chapinha de alisar os cabelos, TV), gás, geladeira etc;

  • Se as torneiras estão bem fechadas, seguido da necessidade de apertá-la (às vezes de forma demasiada, a ponto de quebrá-la) ou de passar a mão por baixo para se certificar de que não está saindo nenhuma gota de água;

  • Acender e apagar novamente lâmpadas apagadas; ligar e desligar o celular ou a TV de novo, com receio de que não tenham ficado “bem” desligados;

  • A bolsa ou a carteira, para certificar-se que não faltam documentos, chaves, etc.;

  • Se atropelou ou não com o carro alguém que passava na calçada ou ao lado, seguida da necessidade de verificar no espelho retrovisor ou até mesmo de refazer o trajeto para certificar-se de que o fato não ocorreu;

  • Se as portas e os vidros do carro ficaram bem fechados, testando cada uma delas mesmo vendo que os pinos de segurança estão abaixados.

É comum que, além de fazer verificações repetidas, os pacientes toquem com as mãos ou olhem demoradamente os objetos (botões do fogão, torneira do gás, portas da geladeira, lâmpadas). Esses comportamentos não deixam de ser formas sutis de verificação e de eliminação de dúvidas.

As compulsões associadas a dúvidas também podem ser mentais, como reler várias vezes um texto ou parágrafo e recitá-lo mentalmente para ver se foi memorizado corretamente, visualizar repetidamente uma mesma cena ou, ainda, repetir mentalmente uma conversa para garantir que nenhum detalhe tenha sido esquecido, revisar várias vezes um cheque assinado para que não contenha nenhum erro, revisar repetidamente listas para que nada seja esquecido, etc.

“Maus” pensamentos ou pensamentos impróprios e pensamentos supersticiosos

São comuns no TOC os chamados “maus pensamentos”, “pensamentos ruins”, ou simplesmente pensamentos impróprios. Eles geralmente se incluem numa das seguintes categorias: pensamentos agressivos de caráter impróprio ou cenas violentas invadindo a cabeça, chamados popularmente de pensamentos “horríveis”; pensamentos de conteúdo sexual impróprio; pensamentos de conteúdo religioso blasfemo, escrupulosidade excessiva e pensamentos “ruins”, de conteúdo catastrófico. Eles são muito mais comuns do que se imaginava, e eventualmente todos nós temos alguns destes pensamentos em algum momento. É comum, por exemplo, um adolescente imaginar-se momentaneamente fazendo sexo com a mãe ou irmã. Como no mesmo momento se dá conta de que “estava pensando uma besteira”, não dá maior importância à ocorrência de tal pensamento ou de que possa um dia vir a praticá-lo, o pensamento ou a cena desaparecem por si. Já o portador do TOC fica chocado com tais cenas, que são acompanhadas de grande aflição, interpreta sua presença como indicativa de existir algum risco de algum dia vir a praticá-las e tenta, sem sucesso, afastá-las da mente. Passa ainda a vigiar os próprios pensamentos, e, paradoxalmente quanto mais tenta afastá-los ou quanto mais importância der à sua presença, mais intensos eles se tornarão.  

Pensamentos, impulsos ou cenas de conteúdo agressivo ou violento

NO TOC são bastante comuns pensamentos ou impulsos impróprios, cenas de conteúdo agressivo ou violento. Alguns exemplos:

  • Atirar o bebê pela janela;

  • Intoxicar o filho com venenos domésticos, como raticidas ou gás;

  • Empurrar alguém (uma pessoa idosa, uma criança) escadaria abaixo;

  • Dar um soco numa pessoa ao cumprimentá-la;

  • Jogar o carro em cima de um pedestre;

  • Atropelar pessoas idosas;

Como forma de diminuir a aflição e o medo que acompanha essas obsessões, os portadores do TOC, além de tentar afastá-las da cabeça. Além disso, o medo de que venha um dia a praticá-los leva o paciente a adotar medidas para impedir que possam vir a acontecer como: colocar telas nas janelas para evitar jogar o bebê num momento de descontrole; evitar comparecer a eventos sociais ou cumprimentar pessoas; checar a sacola várias vezes para ver se não tem algum veneno com o qual possa contaminar o filho.  

Pensamentos impróprios relacionados com sexo

São comuns pensamentos, impulsos intrusivos e impróprios ou cenas de conteúdo sexual como:

  • Fixar os olhos nos genitais de outras pessoas;

  • Molestar sexualmente crianças;

  • Abaixar as calças ou arrancar a roupa de outras pessoas;

  • Ter uma relação sexual com um irmão, irmã pais, tios;

  • Violentar sexualmente uma pessoa conhecida ou desconhecida;

  • Praticar sexo violento ou sexo perverso (p. ex. com animais).

É importante destacar que fantasias sexuais de conteúdo excitante e prazeroso, quando folheamos uma revista, assistimos a uma cena ou filme de conteúdo erótico, ou enxergamos uma pessoa sexualmente atraente, fazem parte da nossa vida mental, e não só devem ser consideradas normais como representam um sinal de saúde. É importante destacar: seu conteúdo é agradável, excitante, provoca o desejo e, sobretudo, prazeroso. Já as obsessões de conteúdo sexual impróprio do TOC são acompanhadas de aflição ou angústia, são desagradáveis, são consideradas claramente impróprias ou antinaturais e contrariam os próprios desejos e princípios dos seus portadores. Por esses motivos a conseqüência imediata, em vez do desejo, excitação ou prazer, é a angústia a aflição, o medo e até a depressão. Por esse motivo são adotadas medidas destinadas a neutralizar esses sentimentos desagradáveis como lutar contra esses pensamentos e tentar afastá-los, ou realizar rituais como lavar-se, confessar-se, rezar, ou aplicar castigos corporais.  

Pensamentos de conteúdo blasfemo

No TOC também são comuns pensamentos de conteúdo considerado blasfemo pelos seus portadores

  • Cenas repetitivas praticando sexo com a Virgem Maria ou os santos (as).

  • Cenas ou pensamentos de conteúdo sexual com Jesus Cristo na cruz;

  • Pensar no demônio ou em “entidades” ou divindades de outras religiões;

  • Dizer obscenidades ou blasfêmias num momento em que todos estão em silêncio durante a missa de domingo.

Essas obsessões são provocadoras de grande ansiedade particularmente em pessoas religiosas. Na religião católica em particular, os pensamentos de conteúdo blasfemo, foram associados à noção de pecado e eventualmente de pecado mortal, representando um risco de condenação ao fogo do inferno. É comum a necessidade de confessar-se repetidamente ou de fazer outros rituais de purificação como rezas, banhos, lavagens ou penitências como forma de neutralizar a aflição associada.

Obsessões ou compulsões de conteúdo supersticioso

Todos nós temos algumas superstições, que fazem parte da nossa cultura assim como da cultura de todos os povos, e eram particularmente comuns entre os povos primitivos. Não passar embaixo de escadas, evitar cruzar com um gato preto na rua, são atitudes que para muitos podem prevenir azares. Bater 3 vezes na madeira dá sorte; deixar os chinelos virados pode dar grande azar. O número 13 é considerado por muitos um número de azar, especialmente se o dia 13 cair em uma sexta-feira. O número 27 é de sorte. Em outros casos, sonhar com um número, pode representar a possibilidade de ganhar na loteria. O que distingue as superstições que fazem parte da cultura, das obsessões como sintomas do TOC é a intensidade com que se acredita nelas, o quanto interferem na vida diária e o grau de aflição que provocam caso sejam contrariadas.

No TOC as superstições têm alguma conecção com objetos temidos que ficaram associados a azares (doença, morte) e, como conseqüência, são evitados objetos ou lugares que possam provocar tais azares. Se você não sai de casa de forma alguma ou se sair é com grande aflição, nos dias que contém o número 3, o número 7, ou números ímpares, ou necessita interromper completamente suas atividades quando o ponteiro dos relógios estiver ultrapassando o número 6, caso contrário poderá ocorrer alguma desgraça, então você pode ter as chamadas obsessões de conteúdo supersticioso ou mágico.

Contar, repetir

Contar mentalmente é bastante comum em momentos de ansiedade. Enquanto você espera o resultado do vestibular no saguão da faculdade ou aguarda na fila do banco ou na sala de recepção do seu médico, mentalmente você passa a contar os quadros na pare­de, o número de janelas do prédio, de pessoas na fila, ou fica assoviando repetidamente uma música. Essas contagens e repetições são normais, porque, se você desejar, pode interrompê-las sem ficar aflito.

Em portadores do TOC é comum a necessidade de contar mentalmente enquanto realiza uma determinada atividade ou de repetir certas tarefas ou certos comportamentos: contar as janelas dos edifícios; repetir uma reza um número exato de vezes antes de deitar, lavar cada lado do corpo ou escovar os dentes três vezes, ler letreiros ou placas da rua, somar os números das placas dos carros na rua (e eventualmente tirar os noves fora). Outras repetições eventualmente são realizadas num determinado número previamente determinado. Ler ou reler o mesmo parágrafo ou página de um jornal ou de um livro, pôr e tirar uma determinada peça de roupa, atar e desatar o cadarço dos sapatos, apagar e acender a luz, sentar e levantar da cadeira, entrar e sair de uma peça da casa, esfregar o sabonete ou passar o xampu no cabelo um número “X” de vezes, são alguns exemplos muito comuns. O pensamento que está por trás de tais contagens e repetições é de que algo ruim poderá acontecer se tais atos não forem executados na forma ou no número exato de vezes ou pré-determinado, e somente procedendo dessa maneira ritualística você conseguirá impedir o pior. E, se por acaso se distrai, erra a contagem ou não segue exatamente a seqüência estabelecida, recomeça tudo, até executar o número exato previamente estabelecido, o que faz com que se sinta um verdadeiro prisioneiro de seus medos e dos seus rituais. Essas repetições podem tomar muito tempo atrasando sua saída mais de casa ou seu trabalho.

Compulsões por ordem, simetria, seqüência ou alinhamento

Manter os papéis em cima da escrivaninha ou as roupas nas prateleiras do guarda roupa numa certa ordem é desejável. Mas quando se perde muito tempo alinhando objetos no armário do banheiro, os livros na estante, os pratos e talheres na mesa, ou quando qualquer objeto fora do lugar ou não provoca grande aflição e desencadeando o impulso de alinhá-lo, estamos diante de mais um típico sintoma do TOC.

Também é comum ter que realizar determinadas tarefas numa determinada seqüência ou de acordo com uma certa regra. Uma paciente, ao entrar em casa, sentia-se obrigada a contar os quadros da sala em uma determinada ordem (sempre a mesma); uma outra se obrigava ao entrar no edifício e em seu apartamento fazendo sempre o mesmo trajeto: passando entre duas colunas e depois, no apartamento, repassar na mesma ordem todas as peças da casa; um outro paciente tinha uma detalhada seqüência de procedimentos antes do banho: alinhava as roupas em uma certa ordem sobre uma banqueta, colocava o tapete de borracha exatamente no centro do boxe e alinhava outro tapete do lado de fora, consumindo entre 10 e 15 minutos nesse ritual.

Armazenar, poupar, guardar ou colecionar objetos inúteis (colecionismo)

É a tendência a guardar e a dificuldade em se desvencilhar de objetos sem valor, ou inúteis, ou demasiados, que passam a ocupar espaços de tal forma a causar transtornos. As pessoas que têm obsessões e compulsões de armazenagem, também chamadas de colecionismo, apresentam ansiedade intensa se necessitam se desfazer de algum objeto, mas ao mesmo tempo têm dificuldade em classificar e organizar e se sentem bem, com grande quantidade de coisas à sua volta.

Nós todos guardamos certos objetos que tem algum valor afetivo. Os portadores do TOC, entretanto, não conseguem distinguir entre objetos de valor afetivo e lixo. Guardar papéis ou recortes de jornais pode ser útil em algumas circunstâncias. Porém, ter prateleiras ou até peças da casa cheias de revistas ou jornais velhos, caixas de sapato vazias, embalagens e garrafas de vazias, recibos de contas vencidas e pagas há muito tempo, roupas que não servem mais ou que estão fora de moda, sapatos que não serão mais usados, etc., pode caracterizar um sintoma do TOC: o colecionismo, ou seja, a tendência a guardar e armazenar coisas inúteis. No caso do TOC são objetos efetivamente sem valor real. Discute-se se os armazenadores constituem ou não um grupo distinto de TOC, pois não respondem aos medicamentos inibidores da recaptação da serotonina, e respondem menos à TCC que os portadores de outros tipos de sintomas. No livro você encontrará um capítulo inteiro sobre o colecionismo – o capítulo 13, no qual esse quadro será abordado com bem mais profundidade.

Lentidão obsessiva

É comum, em portadores do TOC, a lentidão ao executar tarefas. Essa lentidão pode ocorrer em razão de dúvidas, repetições para “fazer a coisa certa ou exata...” (tirar e colocar a roupa várias vezes, sentar e levantar, sair e entrar, etc.), verificações repetidas (trabalho, listas, documentos, banho demorado, tempo demasiado para se arrumar (perfeccionismo), ou do adiamento de tarefas devido à indecisão (necessidade de ter certeza).

Compulsão por armazenagem ou colecionismo

A compulsão por armazenagem é um sintoma bem conhecido do TOC e é definida como a aquisição de e a dificuldade em descartar objetos que aparentemente não tem utilidade ou são de pouco valor. Os pacientes portadores do TOC se distinguem pela grande quantidade de coisas que guardam e pelo seu apego emocional a objetos, por terem uma enorme dificuldade em jogar fora ou no lixo objetos que a maioria das pessoas considera como absolutamente sem nenhuma utilidade. O argumento para não jogá-los no lixo é de que algum dia possam necessitar do objeto jogado fora, que ele possa fazer falta, ou que possa ter alguma utilidade no futuro, perdendo-se a noção do que é razoável. A impressão é de que eles têm um sentimento de segurança com os objetos armazenados.

Os objetos armazenados podem ser qualquer coisa, no entanto com mais freqüência são roupas, revistas, jornais velhos, notas fiscais antigas, mantimentos, embalagens vazias, trabalhos escolares, sacolas, cartões e cartas. É comum ainda o portador de TOC guardar ferramentas danificadas e sem possibilidade de conserto, aparelhos elétricos quebrados, recortes de revistas, roupas e sapatos que não vai mais utilizar, que deixaram de servir ou saíram de moda, e eventualmente coisas absolutamente sem sentido como lâmpadas queimadas, palitos de fósforo usados, cartões telefônicos gastos. Tais objetos ou papéis acabam ocupando espaços enormes, além de acumular poeira e ácaros. Não raro os objetos são guardados amontoados, na maior desordem, seja no forro da casa, na garagem, em armários ou até mesmo nos corredores, muitas vezes dificultando até a movimentação das pessoas. Com o tempo o próprio paciente perde o controle dos objetos armazenados, não conseguindo localizá-los, ou no mínimo tendo grande dificuldade em localizá-los, o que pode ser motivo de grande aflição.

Compulsão por poupar

É bastante comum também a compulsão por poupar dinheiro, seguida de desconforto e culpa diante de qualquer gasto, por mais insignificante que seja. O paciente pode chegar a extremos de ser incapaz de comprar roupas ou até mesmo alimentos, “para não gastar”. Há um controle rigoroso de todos os gastos, seus e dos familiares, e uma necessidade incontrolável de poupar. O que faz suspeitar de que se trata de um sintoma do TOC, é o caráter compulsivo do poupar, um elevado grau de mesquinhez destoante da situação econômica em si, o grande sofrimento ou aflição diante de qualquer gasto e o tempo despendido em checagens de contas bancárias e contagens de dinheiro. Um paciente havia conseguido acumular na poupança uma formidável fortuna. Certamente era uma das pessoas mais ricas da sua cidade. Era incapaz de comprar uma camisa para si, e quando o fazia era com grande sofrimento, muitas reclamações e protestos “pois ficaria mais pobre”. Tinha que ser levado à loja forçado pela esposa. Uma outra paciente tinha brigas freqüentes com seu marido quando esse comprava um par de sapatos ou um tênis, mesmo admitindo que os tênis antigos estavam furados ou os sapatos gastos e que as compras eram mais que justificáveis.

Estima-se que entre 18 a 31 % de todos os portadores de TOC apresentam compulsões de armazenagem, com os sintomas surgindo no início da década entre os 20 e 30 anos. Não foram notadas diferenças entre homens e mulheres. Um outro dado interessante é a alta ocorrência do colecionismo em familiares. Um estudo verificou que 90% dos pacientes relatavam uma história familiar de colecionismo e 80% haviam crescido numa casa com algum familiar que também apresentava os mesmo tipo de sintomas. Entretanto outros estudos encontraram índices bem menores e não se sabe o quanto, nesses pacientes, uma patofisiologia ou uma neuroanatomia distintas em relação aos demais sintomas do TOC, ou um componente específico de aprendizagem (ver outras pessoas guardando coisas, ou aprender que se deve guardar as coisas mesmo sem saber se podem ter qualquer utilidade no futuro) influenciaram para que surgissem os sintomas.

Características comuns dos colecionadores (FOA)

Situações que causam desconforto

  • Quando são obrigados a jogar fora ou dar algum dos objetos que guardam ou armazenam;

  • Quando uma outra pessoa mexe nos objetos guardados;

  • Ao deixar de guardar algo que poderia ser necessário no futuro;

Compulsões mais comuns

  • Guardar coisas inúteis;

  • Organizar as “coleções” de uma certa forma;

  • Verificar no lixo o que outras pessoas jogam fora;

  • Recolher objetos jogados no lixo ou descartados por outras pessoas;

Evitações

  • De se desfazer (jogar no lixo ou doar) objetos inúteis;

  • Impedir que outras pessoas selecionem alguns dos seus objetos ou papeis para jogar no lixo

Ambiente ao redor

  • Deterioração do ambiente ao redor;

  • Peças ocupadas por itens sem nenhuma utilidade prejudicando a convivência e a circulação das pessoas;

Pensamentos, imagens, impulsos que provocam desconforto

  • “Se eu necessitar desse objeto e não encontrar o que será de mim?”

  • “E se eu vier a necessitar desse objeto e tiver jogado fora?”

Conseqüências temidas de não guardar

  • Não serei capaz de encontrar algo que vou necessitar”

  • “É possível que eu não consiga algo que eu venha a precisar.”

Tratamento

Como comentamos o colecionismo é um dos sintomas considerados difíceis de tratar, no TOC, não respondendo aos medicamentos ISRS e respondendo pouco à terapia cognitivo-comportamental. A pouca resposta à terapia deve-se em grande parte à ausência de motivação por parte do paciente em buscar tratamento, pois ele se sente confortável, seguro e sente até um certo prazer ao lado do amontoado de objetos. Desfazer-se é penoso, razão pela qual dificilmente irá buscar o tratamento por si próprio. São os demais membros da família os que mais se incomodam com o fato de os espaços estarem tomados por coisas inúteis e pressionam os colecionistas a buscar tratamento. Segundo Edna Foa se a relação com outra pessoa tem uma grande importância para o paciente, e se a compulsão por armazenagem compromete a continuidade da relação, o tratamento tem mais chance de ser bem sucedido. Mas nem sempre esse é o caso. Na maioria das vezes a situação está cristalizada a muitos anos e se não for por alguma razão externa (mudança de casa ou apartamento, necessidade por razões de saúde, nascimento de filho), o armazenador dificilmente fará algum movimento em relação á mudança.

Medicamentos

Compulsões de armazenagem ou colecionismo não respondem ao tratamento padrão com medicamentos antiobsessivos ou a resposta é muito pequena.

Terapia cognitivo-comportamental multimodal

Em casos mais graves e refratários, um tratamento mais agressivo, envolvendo internação hospitalar por 6 semanas e a adoção de um enfoque chamado de multimodal, envolvendo o uso de inibidores da recaptação da serotonina e terapia cognitivo-comportamental intensiva, mostrou-se efetivo. O tratamento enfocava primariamente nas conseqüências do colecionismo e tinha as seguintes metas: 1) criar um ambiente de estar e espaço para trabalhar; 2) aumentar o uso apropriado do espaço; 3) melhorar a capacidade de tomar decisões; 4) diminuir a procrastinação e a evitação; 5) melhorar as habilidades organizacionais e a administração do tempo; 6) diminuir os medos obsessivos relacionados ao descarte de objetos; 7) descartar objetos desnecessários; 8) diminuir as compras e aquisições compulsivas; 9) prevenir armazenagens futuras desnecessárias. A reestruturação cognitiva focalizou nas crenças relacionadas ao perfeccionismo, excesso de responsabilidade, dúvidas sobre a memória, apego emocional excessivo aos objetos e nas conseqüências negativas de ter os espaços da casa atravancados de objetos.

Para casos de intensidade leve ou moderada o principal recurso ainda é a terapia cognitivo-comportamental de exposição e prevenção de rituais de acordo com as linhas descritas a seguir. As dificuldades maiores, como comentamos, estão relacionadas à falta de motivação do paciente para o tratamento e o fato de os sintomas serem ego-sintônicos (guardar objetos o deixa tranqüilo e seguro). O problema inicial é vencer essa dificuldade.

Vencendo o colecionismo

Se você tem compulsão por guardar coisas inúteis, armazenar demasiadamente comida siga os seguintes passos:

Estabeleça uma meta realística que você de fato quer atingir

Se você resiste a por fora todas as quinquilharias que acumulou durante anos, em vez de pensar que você terá que se livrar de todas as suas coisas, comece estabelecendo objetivos com os quais concorda e que seriam úteis para si e para os seus familiares: ser menos indeciso, viver num ambiente mais organizado e menos obstruído, ter um ambiente de estar mais agradável, um espaço de trabalho mais organizado e menos obstruído, reduzir rituais (verificações, contagens) e evitações, etc.

Faça uma avaliação do seu problema de armazenagem

Responda a algumas das seguintes perguntas:

Quanto a sua casa está atravancada?

Quais as peças?

Que grau de desconforto o problema causa para você e para sua família?

Qual o grau ou nota você daria para o grau de desordem da sua casa?

Que coisas você armazena?

Quais são as razões para guardar cada objeto?

Você tem algum critério para organizar os seus objetos?

Quanto o seu problema afeta a sua relação com a sua família?

Prevenção de rituais de verificação e contagens

Como foi sugerido em relação a outros rituais identifique as situações nas quais você é levado a verificar se os objetos estão no lugar ou a fazer contagens ou listas para certificar-se de que nada foi extraviado, e de que você sabe onde está cada coisa. Abstenha-se de fazer tais controles.  

Estabeleça uma moratória para novas aquisições.

Estabeleça com você mesmo um compromisso de que não irá adquirir mais nenhum item enquanto não atingir os seus objetivos. Não compre nenhum objeto cuja compra seja imprescindível; não fique com objetos ou roupas que seus amigos estão descartando, e dos quais você não necessita. Evite por algum tempo os ferros velhos e briques se você não está necessitando de nada objetivamente. Isso o auxiliará a resolver o problema mais rapidamente. Não compre nada só porque você poderá necessitar no futuro.

Faça um plano de organização de sua casa

Revise peça por peça de sua casa para verificar o quanto está sendo usada, que porcentagem do espaço está desorganizado ou ocupado com coisas que não são utilizadas e faça um plano para um uso mais racional da despensa, quartos, living, escritório, garagem, corredores.

Decida por onde começar: faça uma lista do que deve ser descartado

Por onde começar talvez essa seja a decisão mais difícil de tomar. Estabeleça a diferença entre objetos e papéis inúteis, sucata ou quinquilharias sem qualquer possibilidade de uso, eletrodomésticos sem concerto, móveis que não irá mais usar. Desconfie de tudo o que você guarda anos a fio e nunca utiliza ou de objetos para os quais você não consegue vislumbrar utilidade e que não têm valor afetivo. Faça uma relação de tudo o que você guarda, toma lugar em sua casa sem nenhuma evidência de que de fato será necessário no futuro. Estabeleça uma hierarquia entre os objetos em termos da aflição que poderão provocar ao serem descartados e do grau de inutilidade. Com relação nesses critérios estabeleça as prioridades para descarte preenchendo o espaço para exercícios ao final do presente capítulo.

Comece pelo item que de acordo com a sua avaliação subjetiva provocará menos aflição e que provavelmente seja o que menos chance tenha de no futuro ser necessário, para gradualmente ir descartando os que provocam maiores níveis de aflição. Comece por uma peça, eventualmente a que está mais desorganizada. Ou então se você armazena muito um tipo de objeto, por exemplo, jornais velhos, ou tem muitas roupas que não usa mais, pode decidir começar pelos jornais ou pelo guarda-roupa, o que considera mais fácil, deixando os demais para a semana seguinte.

 Algumas regras simples para o descarte

1. Marque uma data para fazer a faxina e o descarte.

2. Você é a pessoa que irá decidir o que será jogado fora e o que continuará sendo guardado.

3. Seus familiares poderão auxiliá-lo depois que você tiver decidido. Convide-os para isso se achar necessário e sentir que eles respeitarão suas decisões.

4. Marcada a data, veja como fará o descarte e providencie o que for necessário: sacos grandes de lixo, caixas de papelão ou se necessário um transporte. Eventualmente roupas e sapatos, móveis ou eletrodomésticos sem uso podem ser doados para instituições de caridade. Algumas dessas instituições mandam buscar em casa, elas mesmas, os objetos que você quer doar.

5. Procure organizar uma peça ou descartar um item de cada vez, não fique se movimentando de uma peça para a outra, ou de um objeto para outro. Complete inteiramente um descarte planejado para depois iniciar um outro.

6. Ao colocar os objetos nas caixas ou sacos, não volte a olhar para eles, pensando se deve mesmo ou não deve jogá-los fora ou verificando se ainda pode aproveitá-los. De forma alguma os acaricie, antes de colocá-los no lixo.

7. Não volte atrás. Jamais retire do lixo aquilo que já havia decidido pôr fora. A ansiedade é muito maior antes de colocar as coisas fora. Depois passa!

8. Relaxe.Depois de realizar o descarte, procure distrair-se ouvindo música, lendo brincando no computador ou planejando novos usos para o espaço liberado. Saia de casa para dar uma caminhada, ir ao cinema ou visitar um amigo, se a aflição for muito grande. Interrompa quaisquer ruminações sobre dúvidas em relação ao descarte, se foi correto ou não, e em hipótese alguma abra os sacos de lixo ou caixas de descarte para revisar algum item.

Avalie a possibilidade de você ser ou não um portador do TOC

•  Preocupo-me demais com sujeira, germes, contaminação, pó ou doenças.

•  Lavo as mãos a todo o momento ou de forma exagerada.

•  Limpo ou lavo demasiadamente o piso, móveis, roupas ou objetos.

•  Tomo vários banhos por dia ou demoro demasiadamente no banho.

•  Não toco em certos objetos (corrimãos, trincos de portas, dinheiro, etc.) sem lavar as mãos depois.

•  Evito certos lugares (banheiros públicos, hospitais, cemitérios) por considerá-los pouco limpos ou achar que posso contrair doenças.

•  Verifico portas e janelas mais do que o necessário;

•  Verifico repetidamente o gás, o fogão, as torneiras e os interruptores de luz após desligá-los

•  Minha mente é invadida por pensamentos desagradáveis e impróprios, que me causam aflição e que nem sempre consigo afastá-los.

•  Tenho sempre muitas dúvidas, repetindo várias vezes a mesma tarefa ou pergunta para ter certeza de que não vou errar

•  Preocupo-me demais com a ordem, o alinhamento ou simetria das coisas, e fico aflito(a) quando estão fora do lugar.

•  Necessito fazer coisas de forma repetida e sem sentido (tocar, repetir certos números, palavras ou frases).

•  Sou muito supersticioso com números, cores, datas ou lugares.

•  Necessito contar enquanto estou fazendo coisas.

•  Guardo coisas inúteis (jornais velhos, caixas vazias, sapatos ou roupas velhas) e tenho muita dificuldade em desfazer-me delas.

Caso tenha respondido positivamente a uma ou mais dessas afirmativas, é provável que você seja portador do TOC. Para o diagnóstico definitivo, os sintomas devem causar desconforto ou interferir de forma significativa nas suas rotinas, no seu desempenho profissional, ou nas suas relações sociais e ocupar pelo menos uma hora por dia do seu tempo. Em caso positivo ou se tiver dúvidas, discuta com seu médico.

Por que o TOC é importante

O TOC é considerado uma doença mental grave por vários motivos: está entre as dez maiores causas de incapacitação, de acordo com a Organização Mundial de Saúde; acomete preferentemente indivíduos jovens ao final da adolescência – e muitas vezes começa ainda na infância, sendo raro seu início depois dos 40 anos; seu curso geralmente é crônico, e se não tratado, se mantém por toda a vida O mais comum é que ocorram flutuações na intensidade dos sintomas ao longo da vida, raramente desaparecendo por completo. Em aproximadamente 10% dos casos, tendem a um agravamento progressivo, podendo incapacitar os portadores para o trabalho e acarretar sérias limitações à convivência com as outras pessoas, além de submetê-los a um grande e permanente sofrimento.

É muito comum que, na mesma família, várias pessoas sejam acometidas. Sabe-se que, por exemplo, diante de algum caso de TOC na família, a chance de existir outro aumenta em quatro a cinco vezes. Essa incidência aponta para um componente familiar e possivelmente genético dentre as suas diversas causas.

Os sintomas do TOC interferem de forma acentuada na vida da família. A doença altera rotinas, exige que a família se acomode aos sintomas. É comum a restrição ao uso de sofás, camas, roupas, toalhas, louças e talheres, bem como ao acesso a determinados locais da casa. Outros problemas típicos são a demora no banheiro e as lavagens excessivas das mãos, das roupas e do piso da casa. Os portadores do TOC normalmente obrigam os demais membros da família a fazerem o mesmo, mas os medos exagerados, os cuidados excessivos e as exigências nem sempre são compreendidos ou tolerados pelos demais. De modo geral, essa diferença provoca discussões, atritos, exigências irritadas no sentido de não interromper os rituais ou de participar deles, dificuldades para sair de casa e atrasos que comprometem o lazer e as rotinas. Não raramente, as atitudes e dificuldades de relacionamento provocam a separação de casais ou a demissão de empregos.

Quais as causas do TOC

A ciência tem conseguido esclarecer vários fatos em relação ao TOC embora não consiga ainda esclarecer suas verdadeiras causas. Provavelmente concorrem vários fatores para o seu aparecimento: de natureza biológica envolvendo aspectos genéticos, neuroquímica cerebral, lesões ou infecções cerebrais; fatores psicológicos como a aprendizagem; certas formas errôneas de ver e interpretar a realidade próprias dos portadores do TOC, e até culturais.

Na medida em que as pesquisas avançam tem ficado mais evidente a importância dos fatores de natureza biológica. As evidências neste sentido são o fato de o TOC ocorrer após traumatismos, lesões ou infecções cerebrais; ser muito comum que numa mesma família existam vários indivíduos acometidos sugerindo uma predisposição genética. Além destes fatos foi sobretudo importante a descoberta de que determinados medicamentos que estimulam de alguma forma a assim chamada função serotonérgica cerebral reduzem os sintomas de TOC. Este último fato nos faz pensar que possa existir um distúrbio neuroquímico do cérebro envolvendo o funcionamento das vias nervosas que utilizam a serotonina (substância que existe naturalmente no cérebro) para transmitir seus impulsos.

Observou-se ainda que certas zonas cerebrais são hiperativas em portadores de TOC, isto é, funcionam mais do que em indivíduos normais (na parte frontal - região periorbital, em regiões mais profundas do cérebro - gânglios ou núcleos da base). Esta hiperatividade tende a se normalizar tanto com o tratamento farmacológico bem como com a terapia cognitivo-comportamental. Como se vê, são evidências, embora muito genéricas, para a hipótese de que existe algum tipo de disfunção neuroquímica no funcionamento cerebral.

Existem, entretanto, fatos que a pesquisa não conseguiu esclarecer: a resposta de muitos pacientes aos medicamentos inibidores da recaptação da serotonina é parcial ou muitas vezes nula, e se desconhece o motivo. Além disso ocorrem obsessões e compulsões em doenças neurológicas como encefalites, associadas a tiques - no assim chamado Transtorno de Gilles de la Tourette, à febre reumática ou mesmo a outras doenças nervosas ou psiquiátricas. São fatos cujo esclarecimento continua desafiando os cientistas do mundo inteiro.

Sabe-se ainda que fatores de natureza psicológica influem no surgimento, na manutenção e no agravamento dos sintomas de TOC. É bastante comum que os sintomas surjam depois de algum estresse psicológico; conflitos psíquicos agravam os sintomas, e tem cada vez ficado mais claras certas alterações no modo de pensar, de perceber e avaliar a realidade por parte destes pacientes. Eles tendem a supervalorizar a importância dos pensamentos como se pensar fosse o mesmo que agir; tendem a supervalorizar o risco e as possibilidades de ocorrerem eventos desastrosos (contrair doenças, perder familiares, contaminar-se); tendem a superestimar a própria responsabilidade quanto a provocar ou prevenir eventos futuros; são perfeccionistas, perdendo muito tempo com a preocupação de fazer as coisas bem feitas e evitar possíveis falhas ou imperfeições e imaginam modificar o curso futuro dos acontecimentos com a execução dos rituais (pensamento mágico). Cada paciente pode apresentar uma ou mais destas distorções, que são mantidas mesmo as evidências sendo contrárias a elas, ou apesar de não terem comprovação na realidade.

Estes pacientes aprendem a usar rituais ou outras manobras psicológicas como atos mentais e a evitação como forma de aliviar a aflição que normalmente acompanha as obsessões, e por este motivo passam a repetí-los, mesmo que isto significa estar mantendo a doença.Evitam também de enfrentar seus temores até mesmo para confirmar que são infundados, o que permitiria livrar-se deles.

Supõe-se ainda que fatores ligados ao tipo de educação (mais ou menos severa ou exigente, incutindo culpa ou não), ao tipo de cultura social e familiar, possam também influir sob a forma de crenças e regras que regem a vida da pessoa criando uma espécie de terreno propício para o surgimento do transtorno. Por estes motivos usualmente se associam aos medicamentos, terapias psicológicas - a terapia cognitivo-comportamental no seu tratamento.

Que tratamentos existem para o TOC

Os tratamentos mais efetivos no momento incluem o uso de certos medicamentos, inicialmente utilizados no tratamento da depressão, que posteriormente se descobriu serem efetivos também do TOC, e algumas técnicas psicoterápicas chamadas de cognitivas e comportamentais. Os medicamentos são efetivos para 40 a 60% dos pacientes e são a primeira escolha, principalmente quando, além do TOC, existem outros problemas associados como depressão, ansiedade, o que é muito comum. Também é usual se iniciar com um medicamento quando os sintomas são muito graves ou incapacitantes. O maior problema que eles apresentam é o fato de raramente eliminarem por completo os sintomas. Além disso, com freqüência, provocam efeitos colaterais indesejáveis, embora os mais modernos sejam bem melhor tolerados.

Além dos medicamentos, utiliza-se no TOC uma modalidade de terapia – a chamada terapia cognitivo-comportamental (TCC), da qual foram adaptadas algumas técnicas como para combater os sintomas do TOC. Ao redor de 70% dos que realizam a TCC podem obter uma boa redução ou até a eliminação completa dos sintomas. Ela é efetiva especialmente quando predominam rituais, não existem outros problemas psiquiátricos graves, e os pacientes se envolvem efetivamente nas tarefas de casa, parte fundamental dessa forma de tratamento. Estudos mais recentes têm demonstrado que os resultados da terapia tem sido Um problema de ordem prática é o fato de a TCC ser um método pouco conhecido e pouco utilizado em nosso meio. Por isso, este manual tem como objetivo contribuir para a sua divulgação entre os profissionais, os portadores do TOC, seus familiares e a população em geral. Como tanto os medicamentos como a terapia tem suas limitações recomenda-se, na prática, associá-los.

O tratamento farmacológico do TOC

É importante seguir a orientação do médico não interrompendo o medicamento.

A psicoterapia no TOC

Um aspecto importante do tratamento do TOC é a chamada terapia cognitivo-comportamental (TCC) considerada um dos tratamentos de primeira linha, juntamente com os medicamentos. A TCC baseia-se na constatação de que, se o paciente desafia seus medos, por exemplo, expondo-se às situações que evita ou tocando nos objetos que considera contaminados (exposição) e, ao mesmo tempo, deixa de realizar os rituais de descontaminação ou verificações (prevenção da resposta), embora num primeiro momento a aflição aumente, em pouco tempo ela tende a diminuir até desaparecer por completo espontaneamente (habituação). Repetindo tais exercícios os medos de tocar em coisas sujas ou contaminadas, de fazer verificações ou a necessidade de realizar rituais acabam desaparecendo por completo.

Exposição + Prevenção da Resposta => Habituação => Desaparecimento dos sintomas

Exposição é o ato de tocar em objetos, móveis, roupas, partes do corpo, freqüentar locais evitados, ou de evocar frases, palavras, números, imagens ou cenas normalmente mantidas afastadas da mente, em razão do desconforto que provocam.

Prevenção da resposta é o ato de abster-se de realizar rituais ou compulsões, rituais mentais ou quaisquer manobras destinadas a neutralizar a ansiedade associada a obsessões ou à não realização das referidas compulsões.

Além da exposição e da prevenção da resposta, a TCC utiliza uma série de outras técnicas para correção das crenças e pensamentos distorcidos existentes no TOC com o objetivo de realizar a assim chamada reestruturação cognitiva: treino na identificação de pensamentos e crenças distorcidas; correção através do questionamento e busca de evidências quanto à sua sua validade, experimentos comportamentais para testá-las, exposição aos pensamentos ouvindo fitas gravadas ou escrevendo, etc.

A terapia pode ser individual e mais recentemente vem sendo desenvolvida uma forma de tratamento em grupo. Além de comparecer às sessões nas quais recebe uma série de informações e realiza exercícios, o paciente realiza também exercícios no seu próprio domicílio ou local de trabalho.

Fonte: TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo)