Síndrome da fome noturna

Quando bate a fome noturna

Durante o dia você come pouco, mas é de madrugada que a fome ataca e os quilos extras começam a aparecer. Saiba como identificar e lidar com essa síndrome

O dia transcorre tranqüilamente, mas para algumas pessoas comer não importa muito. Café da manhã, almoço e jantar bem simples, quase uma dieta rigorosa! É somente quando cai à noite, que os portadores da síndrome da alimentação noturna sentem um desejo imperioso de levar (bastante) comida à boca.

O que caracteriza essa síndrome é justamente o hábito das pessoas comerem o equivalente a 50% da ingestão alimentar total diária após as 19 horas, quando o metabolismo é mais lento. Os pacientes apresentam também perda de apetite pela manhã, têm problema de insônia e de sono fragmentado, levantando-se uma ou mais vezes da cama.

“Esses episódios noturnos de ingestão alimentar são diferentes dos vividos por quem tem compulsão alimentar. Quem tem a síndrome noturna faz pequenos lanches à noite, antes ou após iniciado o sono, e tem a sensação de que sem esses lanches não seria possível dormir”, descreve o psiquiatra Alexandre Azevedo, coordenador do Grupo de Estudos de Comer Compulsivo e Obesidade (Grecco), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (FMUSP). A ‘necessidade’ de comer, nesse caso, é exclusivamente noturna e durante o dia o indivíduo tem uma ótima relação com a comida. Acreditasse que a síndrome afeta 1,5% da população em geral e 8% dos obesos.

Efeitos no sono e no peso

O problema gera dois principais efeitos. Um deles é a insônia, levando a distúrbios em cascata, como fadiga, sonolência, dores de cabeça, irritabilidade, descontrole emocional, perda de atenção e concentração, prejuízo no rendimento profissional. O outro é o ganho de peso e conseqüências associadas, como hipertensão, diabetes, elevação de colesterol e triglicéride e muitas vezes intoxicação alimentar. “O problema maior é o sofrimento psíquico, acompanhado de tristeza e angústia, pelo fato do paciente não conseguir manter um bom padrão de sono nem evitar os episódios de lanches noturnos”, relata o médico Azevedo.

O portador da síndrome noturna até reconhece que seu comportamento alimentar é problemático, mas raramente busca tratamento especializado. Há um forte componente emocional associado à manifestação do distúrbio da compulsão noturna como válvula de escape, diz João César Castro Soares, endocrinologista e nutrólogo pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): “muitas vezes a pessoa come à noite para se livrar das críticas por comer exageradamente e também como uma forma de esconder os problemas que o levaram àquela compulsão”, afirma o médico.

Como reconhecer

Para caracterizar a síndrome, é preciso que haja o que os médicos chamam de ‘recorrência noturna’ por pelo menos três meses. Segundo o médico João César, há diversos quadros de ‘compulsão’ já identificados e diagnosticados. Os principais incluem a concentração das refeições no período noturno e — a mais grave e preocupante — a que leva a pessoa a interromper o sono para aplacar a fome que a consome. “Esses pacientes tendem a ficar cada vez mais obesos se não buscarem tratamento”.

O coordenador do Grecco, Alexandre Azevedo, esclarece: outros lanches noturnos esporádicos, como aqueles para aliviar uma ‘dor de estômago’ ou por um estado de hipoglicemia, comum aos diabéticos, ou por dificuldades para dormir, são relativamente comuns e não entram na classificação da compulsão noturna para comer. Os médicos dizem que não há evidências claras de quais seriam os ‘gatilhos’ que desencadeiam a síndrome, mas eventos estressores geradores de ansiedade, em um indivíduo predisposto, podem certamente desencadear o problema.

Tratamento ainda engatinha

Por se tratar de um problema ainda em estudo, sem critérios diagnósticos bem definidos, não há consenso sobre tratamento. Em geral, são usados remédios, pois a terapia nutricional ou a psicoterapia tem pouco impacto sobre os sintomas. Os pacientes não respondem aos indutores do sono ou a medicamentos para a ansiedade. Na falta de estudos prévios, os médicos optam pela escolha do tratamento com base no relato de cada caso e em sua experiência clínica.

Normalmente, a preferência recai sobre antidepressivos que agem para garantir maior regularidade do padrão de sono e adequação da saciedade, atuando na compulsão para comer. Os sintomas podem se estabilizar, mas, segundo o psiquiatra, não é possível ainda falar em resposta definitiva ou a longo prazo, pois, como os mecanismos desencadeadores da síndrome ainda são desconhecidos em sua totalidade, os sintomas podem retornar.

“A orientação normalmente é também dietética, com a introdução de alimentos no jantar que dêem maior sensação de saciedade”, explica João César.

Uma das razões para o ganho de peso

Segundo o psiquiatra Alexandre Azevedo, um estudo que avaliou o perfil neuroendócrino destes pacientes observou que os portadores da síndrome alimentar noturna apresentavam níveis inferiores de leptina durante os períodos noturnos e diurnos, quando comparados a indivíduos sem o problema. A leptina é um dos neuromoduladores envolvidos no controle do apetite e funciona como um sinalizador de saciedade, ou seja, a sua liberação equilibrada permite ao indivíduo perceber-se saciado de forma adequada. Estudos associam a resistência à ação da leptina como um ‘facilitador’ da obesidade.

 “Sempre que engravidava, engordava muito. Cheguei a pesar 100 kg (com 1,58 metro de altura). Passei a tomar remédios para emagrecer e reduzi meu peso para 57 kg. Há três anos, perdi o controle. Não conseguia dormir e ia para a geladeira. Comia o que via pela frente, até um pudim inteiro. A comilança me fazia dormir. Comecei a engordar de novo e o remédio já não fazia efeito. Não conseguia mais dar aulas, me descontrolava à toa. Fui encaminhada para tratamento à base de tranqüilizante e remédio para diminuir a compulsão alimentar. Hoje, durmo a noite toda e mantenho meu peso na faixa dos 57 kg.

Rosemary Chelotti, 54 anos, professora

“Ao acordar, tomo apenas uma xícara de café. Almoço e janto pouco, mas depois das 21 horas tenho muita fome. Na verdade, sempre fui viciado em comer à noite e de madrugada, geralmente lanches fartos e refrigerante. No ano passado, cheguei a pesar 154 kg (tenho 1,80 metro) e fiquei em um spa para me recuperar. No último ano, passei a fazer musculação e aeróbica e hoje peso 130 kg. Mas ainda não consigo controlar a vontade de comer à noite. É só levantar para ir ao banheiro que sinto vontade de ir à geladeira. Por isso, eu resolvi me inscrever no Hospital das Clínicas para começar a me tratar.”

Luiz Paulo, 44 anos, fisioterapeuta

Desregulando o nosso relógio interno

À noite, o metabolismo do organismo cai drasticamente. entenda o porquê

Durante o dia, os principais hormônios ativos são o cortisol e a adrenalina, cujo estímulo é liberado no cérebro. É por meio deles que ocorre o equilíbrio entre a produção de energia necessária ao funcionamento do corpo, enquanto há trabalho físico e mental constantes. Outros hormônios envolvidos são os tireoideanos, que têm a função de regular o metabolismo. Quando escurece, o nível desses hormônios cai para adaptar o organismo ao menor nível de atividade. Nesse período, tudo o que é ingerido é facilmente incorporado e estocado no tecido gorduroso. Isso porque o sangue se concentra no aparelho digestivo, em vez de estar diluído sob a ação dos hormônios moduladores que atuam durante o dia. Assim, devemos optar por alimentos leves à noite. Carboidrato, açúcar, gordura e fritura elevam o depósito adiposo, sem saciar a fome.

1. À NOITE, o organismo desacelera
2. O CÉREBRO REDUZ OS COMANDOS para liberar os hormônios (cortisol e adrenalina) que garantem a energia vital para as atividades durante o dia
3. HIPÓFISE
4. A HIPÓFISE ‘AVISA’ PARA A TIREÓIDE baixar a produção hormonal, o que faz o metabolismo ficar mais lento
5. TIREÓIDE
6. O SANGUE SE CONCENTRA no aparelho digestivo, um dos sistemas que precisa de energia — mesmo quando estamos em repouso
7. OS ALIMENTOS SÃO RAPIDAMENTE ABSORVIDOS e estocados no tecido gorduroso. Por isso é mais fácil ganhar peso com refeições noturnas

Fonte: Revista viva saúde