Casos de meningite
transmitida por caramujo se espalham pelo país
Uma nova
forma de meningite está se espalhando pelo
Brasil nos últimos anos. Transmitida
principalmente por moluscos, incluindo o
caramujo gigante africano, a infecção é causada
pelo verme
Angiostrongylus cantonensis.
Chamada de meningite eosinofílica ou
angiostrongilíase cerebral, ela já foi
diagnosticada em seis estados, nas regiões
Nordeste, Sudeste e Sul do país. O levantamento
faz parte de um estudo de pesquisadores do
Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUC-RS) e da Universidade de Khon Kaen,
da Tailândia, publicado na revista científica
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz.
Considerando que o verme foi detectado no Brasil
há menos de dez anos, os autores ressaltam que
os profissionais de saúde precisam estar atentos
para identificar novos casos e a população deve
adotar medidas de prevenção simples,
principalmente no contato com caramujos. Veja o
artigo
completo.
Originário da Ásia, o A.
cantonensis foi associado a um caso de
meningite pela primeira vez no território
brasileiro em 2006. Desde então, foram
confirmados 34 casos da infecção em pacientes de
Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, com um óbito.
Um dos autores da pesquisa, o médico Carlos
Graeff-Teixeira, da PUC-RS, afirma que a chegada
da doença era esperada por causa das
características do verme. “Esse parasito é
próprio de roedores, especialmente da ratazana,
um animal que tem capacidade de sobreviver em
praticamente qualquer ambiente e também costuma
viajar nos navios. O aumento do transporte
marítimo entre os países propicia a introdução
do verme em novas áreas”, destaca.
Caramujo africano é o vetor mais
frequente
No Brasil, a disseminação do
parasito é favorecida pelo grande número de
moluscos, em especial da espécie Achatina
fulica – o chamado caramujo gigante
africano, que se tornou uma praga no país. Assim
como os ratos, os moluscos fazem parte do ciclo
de vida do verme. As formas adultas do A.
cantonensis são encontradas nos roedores: é
neles que os vermes se reproduzem, garantindo
sua continuidade. Eliminadas nas fezes destes
animais, as larvas do parasito são ingeridas
pelos caramujos. Dentro dos moluscos as larvas
vão crescer, atingindo a fase em que se tornam
capazes de infectar animais vertebrados. “O
ciclo se fecha quando os ratos comem os moluscos
infectados. Porém, as pessoas também podem ser
infectadas se ingerirem os caramujos ou a baba
(muco) liberada por eles, contendo as larvas do
parasito”, explica a pesquisadora Silvana
Thiengo, uma das autoras do artigo
recém-publicado. A bióloga é chefe do
Laboratório de Malacologia do IOC, que atua como
referência nacional em malacologia médica junto
ao Ministério da Saúde.
A pesquisadora destaca que o
verme infecta diversos tipos de moluscos,
incluindo algumas espécies nativas do Brasil.
Todas elas podem propagar a doença, mas o
caramujo gigante africano tem sido o vetor mais
frequente. “O Achatina é um excelente
transmissor da infecção. Capaz de se alimentar
de diversos tipos de plantas ornamentais,
verduras e frutas, ele é encontrado em áreas
urbanas e rurais e fica muito próximo das
pessoas. O contato frequente da população com o
molusco facilita a transmissão”, avalia Silvana.
Introduzido no Brasil na década
de 1980, o caramujo gigante africano é
encontrado hoje em 25 estados e no Distrito
Federal. A única área do país onde o molusco
ainda não foi identificado é o estado do Rio
Grande do Sul. Dados compilados pelos
pesquisadores do IOC e da PUC-RS mostram que em
11 estados já foram coletados caramujos desta
espécie infectados pelo verme A. cantonensis.
Ou seja: ainda que nem todos os estados tenham
registrado casos até o momento, há potencial
para a transmissão da doença. Os locais onde os
caramujos infectados foram detectados variam
desde as maiores cidades do país – São Paulo e
Rio de Janeiro – até municípios isolados – como
Barcelos, que fica a dois dias de barco de
Manaus. Em oito estados, também foram
encontradas outras espécies de moluscos
infectadas pelo parasito.
Medidas de prevenção
No sudeste da Ásia, o hábito de
comer moluscos crus é um dos principais fatores
para a disseminação da meningite eosinofílica.
Já no Brasil, a infecção costuma ocorrer por
meio da ingestão acidental destes animais ou do
muco liberado por eles. Crianças e indivíduos
com deficiência mental, assim como pessoas que
trabalham em hortas e jardins podem ser
considerados grupos de risco para a doença. O
consumo de verduras, legumes e frutas crus sem a
higienização adequada também pode levar à
infecção, uma vez que os moluscos liberam muco
sobre os alimentos e também podem acabar sendo
picados e ingeridos despercebidamente junto com
saladas ou temperos.
Catar os caramujos é a principal
medida recomendada para eliminá-los. Segundo
Silvana, os próprios moradores podem fazer a
limpeza de quintais e hortas infestados,
adotando medidas de precaução. “Evitar o contato
dos moluscos com as mãos é fundamental. Na
ausência de luvas, deve-se usar um saco plástico
para proteger a pele”, indica a bióloga,
acrescentando que é importante recolher também
os ovos, que costumam ficar semienterrados. Os
animais e ovos recolhidos devem ser colocados em
um recipiente, como balde ou bacia, e submersos
em solução preparada com uma parte de
hipoclorito de sódio (água sanitária) para três
de água. Após 24 horas de imersão, a solução
pode ser dispensada e as conchas devem ser
colocadas em um saco plástico e descartadas no
lixo comum. A lavagem das mãos após os
procedimentos é fundamental, podendo ser
realizada com sabão comum.
A água sanitária também deve ser
utilizada para higienizar verduras, legumes e
frutas, mas em uma concentração muito menor do
que a usada para matar os caramujos: a
orientação é colocar uma colher de sopa do
produto em um litro de água e deixar os
alimentos de molho por 30 minutos antes do
consumo.
Sintomas, diagnóstico e
tratamento
A meningite causada por A.
cantonensis começa com a ingestão do
caramujo ou de muco do molusco infectado. Uma
vez ingeridas, as larvas do verme migram para o
sistema nervoso central e se alojam nas meninges
– membranas que envolvem o cérebro. O organismo
inicia uma reação inflamatória, que resulta no
quadro de meningite. Geralmente, a doença é
autolimitada, pois os parasitos não conseguem se
reproduzir no ser humano e morrem naturalmente.
No entanto, alguns pacientes desenvolvem formas
graves e o índice de mortes é de 3%. O atraso no
diagnóstico é um dos fatores que contribuem para
o agravamento do quadro: cada dia de dor de
cabeça prolongada aumenta em 26% as chances de
coma.
Segundo Carlos Graeff-Teixeira, a
dor de cabeça causada pela meningite
eosinofílica é tão intensa que costuma levar os
doentes a procurar os serviços de atendimento de
emergência. Em muitos casos, os pacientes
apresentam também rigidez da nuca e febre. Os
sintomas são os mesmos de outras formas de
meningite, causadas por vírus e bactérias. Por
isso, o diagnóstico correto da doença depende de
resultados laboratoriais – um passo a passo é
apresentado no artigo publicado na revista
Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. Entre as
etapas mais importantes está a análise do líquor,
líquido que fica entre as meninges e é extraído
através da punção lombar. “Considerando a
presença do A. cantonensis em diversos estados
do Brasil, é importante realizar esta análise em
todos os casos suspeitos de meningite”,
acrescenta.
Embora não exista uma medicação
com eficácia comprovada para matar os parasitos,
o tratamento é importante para amenizar os
sintomas e reduzir as chances de agravamento da
doença. “O verme morre mesmo sem o uso de
remédios. Porém, a reação inflamatória muito
forte desencadeada pelo organismo em resposta à
infecção pode ser danosa”, esclarece Carlos.
Diferentes opções de terapia são apresentadas no
estudo. Uma comparação realizada pelo
pesquisador tailandês Kittisak Sawayawisuth,
também autor do artigo e um dos maiores
especialistas no tratamento da doença, mostra
que enquanto pacientes medicados apenas com
analgésicos podem apresentar dor de cabeça por
meses, o sintoma permanece por menos de uma
semana, em média, nas pessoas tratadas com
anti-inflamatórios do tipo corticoides, por
exemplo.
Fonte: Fiocruz |