Botulismo
Definição
O botulismo é uma intoxicação específica,
e não uma infecção, resultante da ingestão e
absorção pela mucosa digestiva de toxinas
pré-formadas do Clostridium botulinum, que levam
o animal a um quadro de paralisia motora
progressiva.
Etiologia
O Clostridium botulinum é um bacilo
anaeróbio, gram-positivo, formador de esporos,
encontrado no solo, água, matéria orgânica de
origem animal e vegetal, e no trato
gastrointestinal dos animais. Os esporos são
extremamente resistentes, podendo sobreviver por
longos períodos nos mais diversos ambientes,
proliferando em carcaças ou material vegetal em
decomposição, nos quais produz uma neurotoxina
que, quando ingerida, causa a doença.
Há oito tipos distintos de toxinas botulínicas
(A, B, C1, C2, D, E, F e G) em função de suas
diferenças antigênicas, mas todas possuem ações
farmacológicas semelhantes. As que mais
comumente podem afetar os bovinos são as do tipo
C e D, embora haja relatos de casos de botulismo
em bovinos no Brasil por toxinas tipo A e tipo B
(Schoken-Iturrino et al., 1990; Lobato et al.,
1988).
Epidemiologia
O botulismo em bovinos tem sido mais
comumente descrito em rebanhos a campo, estando
normalmente associado a uma deficiência de
fósforo nas pastagens, bem como devido a uma
inadequada suplementação mineral, que determina
um quadro de depravação do apetite, com
osteofagia, nos animais. Nos alimentos, o esporo
passa, em geral, sem causar problemas pelo trato
alimentar do animal vivo, mas, em carcaças o
esporo encontra condições ideais de anaerobiose
para se desenvolver e produzir toxinas,
contaminando principalmente os ossos,
cartilagens, tendões e aponeuroses que são mais
resistentes à decomposição. Com isso, ao ingerir
fragmentos de tecidos ou ossos, outros bovinos
adquirem a toxina e, também, esporos,
estabelecendo assim a cadeia epidemiológica do
botulismo a campo (Langenegger & Döbereiner,
1988).
As condições de risco para animais confinados
ocorrem quando estes recebem silagem, feno ou
ração mal conservadas, com matéria orgânica em
decomposição, ou com cadáveres de pequenos
mamíferos ou aves, que criam condições ideais
para multiplicação bacteriana e produção de
toxina. Smith (1977) denomina de "intoxicação da
forragem" o botulismo decorrente do consumo de
feno ou silagem contaminados pela carcaça de
pequenos animais mortos acidentalmente e
incorporados ao alimento durante sua preparação.
Reservatórios de água contaminados por carcaças
de roedores ou pequenas aves, também podem ser
considerados como possíveis fontes de infecção
para bovinos estabulados.
A cama de frango usada na suplementação
alimentar de bovinos tem sido relatada como a
maior fonte de infecção para animais confinados
nos últimos anos, em função da presença de
restos de aves (Bienvenu et al., 1990; Hogg et
al., 1990; Schoken-Iturrino, 1990; Jones, 1991;
Lobato et al., 1994 b).
A possibilidade de surtos de botulismo que
apresentem como fonte de infecção águas paradas,
associados a períodos de estiagens prolongadas,
épocas quentes e altas concentrações de material
em decomposição, têm sido mais comumente
descritos em aves (Brada et al., 1971), embora
haja relatos de casos em búfalos em áreas
alagadas no Maranhão (Langenegger & Döbereiner,
1988) e em bovinos de diferentes categorias, em
áreas com águas estagnadas, nos Estados de São
Paulo e Mato Grosso do Sul (Dutra et al., 1990).
Patogenia
O quadro clínico é determinado pela
ingestão de toxinas pré-formadas que, após serem
absorvidas e alcançarem a circulação, ligam-se a
receptores no Sistema Nervoso Periférico,
bloqueando a síntese e liberação de
acetilcolina, que atua como mediadora do impulso
nervoso, determinando assim um quadro de
paralisia flácida. Não há efeito da toxina no
Sistema Nervoso Central.
Sintomas Clínicos
O
botulismo é uma intoxicação cujo quadro
sintomatológico, no que diz respeito à
velocidade de aparecimento dos sintomas e
severidade, está diretamente relacionado com a
quantidade de toxina ingerida pelo animal. O
período de incubação pode variar de algumas
horas até dias. Em relatos de surtos da doença
associada a cama de frango, Bienvenu et al.
(1990) descrevem a ocorrência de novos casos em
um período de até 18 dias após a remoção do
alimento contaminado.
A doença pode ser dividida em quatro formas
distintas (superaguda, aguda, subaguda e
crônica, de acordo com a gravidade dos sintomas
e do tempo de vida do animal (Ristic & McIntire,
1981).
Na fase inicial, os animais apresentam graus
variados de embaraço, incoordenação, anorexia e
ataxia. Tem início então, um quadro de paralisia
muscular flácida progressiva, que começa pelos
membros posteriores e faz com que os animais
prefiram ficar deitados (em decúbito
esterno-abdominal) e, quando forçados a andar, o
fazem de maneira lenta e com dificuldade (andar
cambaleante e lento). O componente abdominal da
respiração se torna acentuado e o vazio se torna
fundo. Não há febre. Os animais podem sucumbir
repentinamente se estressados.
Com o avanço da doença, a paralisia muscular se
acentua, impedindo que o animal se levante,
embora ainda seja capaz de se manter em decúbito
esternal, progredindo para os membros
anteriores, pescoço e cabeça, que faz com que a
cabeça fique junto ao solo ou voltada para o
flanco. A paralisia muscular afeta a mastigação
e a deglutição, levando ao acúmulo de alimentos
na boca e sialorréia, além de exteriorização
espontânea da língua (protrusão). O animal
apresenta diminuição dos movimentos ruminais.
Na fase final o quadro de prostração se acentua,
fazendo com que o animal tenha dificuldade para
se manter em decúbito esternal, tombando para os
lados (em decúbito lateral). A consciência é
mantida até o final do quadro, quando o animal
entra em coma e morre.
Nos quadros mais agudos, a morte ocorre em um ou
dois dias, após o início dos sintomas,
geralmente por parada respiratória em função da
paralisia dos músculos responsáveis pelos
movimentos respiratórios.
Em casos subagudos, o animal sobrevive por três
a sete dias, sendo a forma mais comum encontrada
a campo. Esta forma apresenta a sintomatologia
de forma mais evidente, porque desenvolve-se em
um período mais longo.
Já na forma crônica o animal sobrevive por mais
de sete dias, e um pequeno número deles pode até
recuperar-se após três ou quatro semanas, uma
vez que os sintomas não ocorrem de maneira tão
acentuada como nas formas anteriores. Apesar do
decúbito, os animais podem continuar se
alimentando, visto que o apetite se mantém.
Animais que se recuperam podem apresentar
estertores respiratórios que persistem por algum
tempo.
Patologia Clínica
Normalmente não são observadas alterações de
cálcio, magnésio e fósforo. Alguns autores têm
relatado albuminúria e glicosúria, embora não
seja considerado um achado consistente, porque
ocorre em somente alguns animais (Blood &
Henderson, 1978).
Achados de Necropsia
A maior parte dos relatos afirma que não
são observadas alterações específicas. Pode
haver presença de hemorragias subendocárdicas ou
subepicárdicas, congestão de mucosa ou serosa
intestinal, assim como edema, hemorragias e
hiperemia em nível de cérebro (Blood &
Henderson, 1978; Cardoso et al., 1994).
Diagnóstico
O diagnóstico deve se basear no histórico
e no quadro clínico apresentado pelo animal,
sendo que sua comprovação requer o auxílio de
testes laboratoriais em amostras de material
coletadas de animais suspeitos (soro sangüíneo,
extrato hepático, líquido ruminal e conteúdo
intestinal). O diagnóstico clínico é importante,
uma vez que, nem sempre a comprovação
laboratorial é possível, e o atraso na adoção de
medidas de controle em caso de surto da doença,
em função da espera de resultados laboratoriais,
pode acarretar a perda de inúmeros animais.
O Bioensaio consiste na inoculação
intraperitoneal de amostras, centrifugadas e
filtradas, em camundongos e na observação,
durante três a quatro dias, se há manifestação
do quadro clínico. Deve-se atentar para o fato
de que uma resposta negativa não significa que a
doença não tenha ocorrido, pois a toxina pode
ter sido absorvida e metabolizada em sua maior
parte, principalmente naqueles animais doentes
há algum tempo. Devido às características da
toxina e da alta sensibilidade do bovino à
mesma, os resultados laboratoriais são, em até
mais de 90% dos casos, negativos para a toxina
botulínica quando se utiliza material colhido de
animais em quadro de intoxicação, inclusive
experimental (Dutra & Döbereiner, 1995).
Outros métodos laboratoriais que vêm sendo
utilizados são a Prova de Soroneutralização e o
Teste de Microfixação de Complemento, que buscam
identificar o tipo de toxina presente no
material examinado, com auxílio de antitoxinas
botulínicas C e D. Este último, segundo Dutra et
al. (1993), tem se mostrado bem mais sensível
que o Bioensaio.
Diagnóstico Diferencial
Deve ser feito para todas aquelas enfermidades
que levam o animal a um quadro de decúbito
(raiva, hipocalcemia, encefalites, traumas
etc.).
Em função da falta de achados na necropsia, da
ausência de comprovação laboratorial dos casos
suspeitos e de um eficiente diagnóstico
diferencial, muitos casos de botulismo são
atribuídos a outras doenças ou síndromes, sendo
o inverso também verdadeiro.
Tratamento
O tratamento é indicado nos casos subagudos ou
crônicos, nos quais os sintomas se desenvolvem
mais lentamente (Blood & Henderson, 1978; Jones,
1991). Como não há antitoxina disponível no
mercado, recomenda-se o tratamento sintomático,
que visa dar condições, quando possível, para
que o animal resista ao quadro clínico
apresentado.
São indicadas soluções hidroeletrolíticas,
purgativos (na tentativa de remover a toxina do
trato alimentar), hepatoprotetores, vitaminas do
complexo B e soluções injetáveis de cálcio e
fósforo. Nos casos de decúbito prolongado,
deve-se ficar atento para problemas decorrentes
desta situação (escaras e atrofias musculares ou
nervosas), evitando que os mesmos se acentuem. O
uso de antibióticos é indicado para prevenir ou
controlar o aparecimento de infecções
secundárias decorrentes do estado de debilidade
do animal, embora Jones (1991) alerte para que
se evite o uso de antibióticos que possam
potencializar o bloqueio neuromuscular
(penicilina procaína, tetraciclina ou
aminoglicosídeos).
Uma medida importante a ser tomada é a
identificação e remoção da fonte de
contaminação, assim como a vacinação imediata de
todos os animais que estão sujeitos ao mesmo
tipo de fonte de infecção (alimento ou água
contaminada). Como o período de latência da
vacina varia de duas a três semanas, outros
casos poderão ainda ocorrer.
Prevenção
A melhor medida preventiva a ser tomada é a
vacinação dos animais. A vacina deve ser
aplicada em duas etapas, com um mês de intervalo
entre as mesmas. Como a vacina necessita de um
período de 16 a 18 dias para conferir proteção
efetiva, recomenda-se que a primeira dose da
vacina seja feita um mês antes da entrada do
animal no confinamento. Embora o nível de
proteção das vacinas não seja totalmente
satisfatório, este ainda é considerado o método
de proteção mais eficaz (Lobato et al., 1994 a).
Animais vacinados podem apresentar a doença
quando expostos a uma fonte de contaminação com
altas cargas de toxina. Isto se deve ao fato de
que o grau de proteção da vacina é efetivo
apenas contra determinada quantidade de toxina,
além do que, a toxina é pouco imunogênica em
casos de contaminação ambiental, não estimulando
assim a produção de anticorpos, sendo estes
oriundos somente da vacina.
O correto armazenamento do feno, da silagem e da
ração, a fim de evitar material em decomposição
e os devidos cuidados na alimentação dos animais
com cama de frango, são consideradas medidas
auxiliares importantes na prevenção do
botulismo.
Vale a pena lembrar que as medidas preventivas
acima descritas são destinadas aos animais
confinados. Nos casos de surtos da doença em
animais criados extensivamente, uma correta
medida de prevenção do botulismo consiste na
adoção de uma mistura mineral de boa qualidade,
associada a uma eficaz remoção de carcaças e
ossos das pastagens. A mistura mineral deve
estar formulada para atender às necessidades da
categoria animal para a qual será destinada, de
acordo com as condições de solo e pastagens da
propriedade. É importante também um correto
esquema de distribuição, com cochos em
quantidade suficiente (1 metro de cocho para 50
animais, no mínimo), de preferência cobertos ou
local de fácil acesso para os animais (próximo
aos bebedouros, áreas de descanso ou áreas de
maior pastejo). A vacinação pode ser uma
alternativa válida em áreas endêmicas, nas quais
não se consegue identificar o fator
predisponente ao botulismo. |