Os prós e os
contras de comer carnes, ovos e vegetais sem
cozinhar.
O surto de
difilobotríase (doença transmitida pelo parasita
Diphyllobothrium spp) em São Paulo, que está
sendo relacionado ao consumo de peixe cru,
especialmente o salmão chileno, reacendeu a
polêmica sobre contaminação de alimentos que
passou recentemente por caldo de cana e morango
com agrotóxico. Os riscos vão muito além dos
sushis, ovos, carnes (quibe cru e carpaccio) e
mesmo frutas e legumes mal lavados também podem
estar contaminados.
Vale lembrar que
continuam em alta, em casa e principalmente nos
restaurantes, as velhas dicas de higiene no
preparo de alimentos (mãos e utensílios limpos),
nos seus armazenamentos (separar crus de
cozidos) e no uso da água para cozinhar (deve
ser filtrada ou fervida). É importante também
conhecer a procedência do que está sendo
consumido. O Equilíbrio responde a algumas das
dúvidas mais freqüentes sobre o consumo de
alimentos crus.
1
- Por quanto tempo a carne deve ser cozida para
perder os riscos de contaminação?
Depende. Como o
tempo depende do sistema de cozimento e do
tamanho do alimento, deve-se observar a
temperatura. Em termos médios, carnes de porco e
frango devem atingir de 70º C a 75º C. Já a
carne bovina pode ser deixada a temperaturas um
pouco menores, entre 65º C e 70º C. "É quando
desaparece a coloração rosada e a carne tende a
ficar acinzentada", diz o veterinário Pedro de
Felício, PHD em produtos de origem animal e
professor da Faculdade de Engenharia de
Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas). O importante é que a temperatura
chegue à carne toda, principalmente a seu
"miolo".
2
- O cozimento elimina os agrotóxicos de frutas,
legumes e verduras?
Sim. "O calor
provoca a degradação do defensivo agrícola. Um
alimento in natura certamente terá mais
agrotóxicos do que outro que passou por algum
processamento", afirma o químico Jorge do Vale
Oliveira, do laboratório de resíduos de
pesticidas do Ital (Instituto de Tecnologia de
Alimentos). Antes de ingerir frutas, verduras ou
legumes crus, é preciso lavá-los em água
corrente, de preferência com sabão, que possui a
propriedade de "arrastar" o agrotóxico. O
descascamento também ajuda a retirar os
pesticidas, mas esse processo provoca a perda de
alguns nutrientes. Os dois métodos são efetivos
contra os pesticidas de ação superficial
-aqueles que se depositam na casca do alimento,
não penetrando em sua polpa-, que são os mais
utilizados. Mas há um tipo de defensivo agrícola
que entra na raiz da planta e chega a seu
interior pela seiva. Conhecidos como pesticidas
de absorção sistêmica, eles não são removidos
somente com a lavagem ou o descascamento. O
cozimento, porém, surte efeito e degrada o
agrotóxico.
3
- A comida crua se deteriora mais rápido do que
a cozida?
Depende. Alguns
tipos de alimento são cozidos como uma forma de
conservação, segundo a nutricionista Monica Inez
Elias Jorge, da Faculdade de Saúde Pública da
USP. Ela afirma que, durante o cozimento de
carnes, peixes e do leite, ocorre uma inativação
das enzimas que promovem a deterioração desses
alimentos. O mesmo ocorre com hortaliças e
frutas. "O mais importante para a adequada
conservação dos alimentos ainda é o binômio
tempo-temperatura. Se uma carne não for cozida
em tempo e temperatura adequados, pode se
deteriorar rapidamente", afirma. Segundo a
nutricionista Silvia Maria Franciscato
Cozzolino, da Sociedade Brasileira de
Alimentação e Nutrição, os microorganismos
"gostam de carnes e peixes, onde se desenvolvem
mais rapidamente". Quando a comparação é feita
entre vegetais, no entanto, não há uma conclusão
tão abrangente. Segundo a professora de
microbiologia de alimentos Maria Tereza Destro,
do Departamento de Alimentos e Nutrição
Experimental da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da USP, a decomposição dos
vegetais depende da especificidade de cada um e
do modo como são conservados. "Uma cenoura ou
uma batata crua na geladeira se mantém por um
tempo enorme. Cozidas, escurecem e perdem a
textura mais rápido. Mas a chicória, cozida ou
crua, dura o mesmo tempo na geladeira", afirma.
4
- Alimentos cozidos perdem seus valores
nutricionais?
Em parte. Diversas
vitaminas e sais minerais são perdidos durante o
cozimento. A quantidade de proteínas,
carboidratos e gorduras, porém, não varia. Em
frutas, verduras e legumes, as vitaminas que são
hidrossolúveis se perdem na água usada para
cozinhar. Já as lipossolúveis se dissolvem nas
gorduras (no óleo usado em uma fritura, por
exemplo). Além disso, a maioria das vitaminas é
termossensível, ou seja, se deteriora com altas
temperaturas. Mas, segundo a nutricionista Hilda
Duval Barros, professora do Instituto de
Nutrição da Uerj (Universidade Estadual do Rio
de Janeiro), essa perda não chega a ser
preocupante. "É possível repor essa perda
comendo uma fruta ou tomando um suco depois. Ao
cozinhar os alimentos, você tem maior garantia
de atenuação dos contaminantes e agrotóxicos",
lembra. Mas, segundo a nutricionista Silvia
Maria Franciscato Cozzolino, alguns legumes
liberaram substâncias benéficas à saúde durante
o cozimento. "É o caso da cenoura, que tem o
betacaroteno mais disponível quando cozida",
diz. Já proteínas, gorduras e carboidratos não
se alteram com o cozimento. "Se você cozinhar,
assar, grelhar ou fritar uma carne dentro dos
padrões normais, em temperaturas que não sejam
excessivamente altas, ela não perde esses
nutrientes", diz o nutrólogo Daniel Magnoni,
diretor do Imen (Instituto de Metabolismo e
Nutrição).
5
- Ovo cru faz bem para a saúde?
Não. O ovo tem
grande chance de conter a bactéria salmonela.
"Geralmente, a contaminação está localizada na
parte de fora da casca e, quando ela é quebrada,
o ovo pode se contaminar", explica a
nutricionista Renata Padovani, pesquisadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Uma
vez contaminados, ovos mal-cozidos ou crus podem
causar salmonelose, cujos principais sintomas
são febre, dor de cabeça, náusea, vômito, dor
abdominal e diarréia.
6
- Crianças podem comer sushi ou quibe cru? Bebês
podem comer vegetais crus?
Não. Segundo a
nutricionista Raquel Botelho, professora da UnB
(Universidade de Brasília), o organismo da
criança é mais vulnerável a contaminações, pois
o sistema imunológico e o aparelho digestivo
ainda estão em formação. Por esse motivo, os
pequenos têm pouca resistência a infecções e
intoxicações alimentares. Segundo ela, toda
carne crua é contaminada a princípio. "O animal
sempre tem algum tipo de contaminação, ou então
acaba contraindo na hora da pesca, da caça ou do
abate. O que leva a pessoa a passar mal são o
grau de contaminação do alimento e as condições
do seu sistema imunológico", afirma. A
nutricionista defende que a criança comece a
comer vegetais crus, devidamente esterilizados,
somente após um ano de idade. Quanto a carnes
cruas, Botelho é categórica: "Até os 12 anos,
ela não deve comer de forma nenhuma. É muito
arriscado". Para o pediatra Fábio Ancona Lopez,
professor de nutrição do Departamento de
Pediatria da Escola Paulista de Medicina e
vice-presidente da Sociedade Brasileira de
Pediatria, a criança pode começar a comer frutas
batidas entre o quarto e o sexto mês de vida. No
sétimo mês, os pais podem incluir legumes
cozidos na "papinha". A nutricionista Monica
Inez Elias Jorge, da Faculdade de Saúde Pública
da USP, lembra que, até os seis meses, bebês não
devem ingerir nada que não seja leite materno.
7
- Comida crua é mais difícil de ser digerida do
que a cozida?
Sim. De acordo com
a nutricionista Raquel Botelho, "qualquer tipo
de cocção funciona como uma pré-digestão do
alimento". A nutricionista Monica Inez Elias
Jorge faz coro: "Carnes e vegetais cozidos têm
um abrandamento das fibras e, por isso, permitem
uma digestão mais fácil". Segundo ela, a
alimentação exclusiva de comida cozida somente é
necessária quando, por alguma razão, há algum
comprometimento do aparelho digestivo da pessoa.
É recomendável a ingestão regular de vegetais
crus, que têm fibras que contribuem para a
formação do bolo alimentar, ajudando no
funcionamento intestinal.
8
- Carpaccio, quibe cru e tartare fazem mal?
Depende. Segundo o
veterinário Pedro de Felício, quem não quer
abrir mão desse tipo de produto, que pode
apresentar contaminação por parasitoses e
microorganismos, deve congelar a carne por 15
dias antes de usá-la crua. O consumidor também
deve ficar atento à procedência da carne e
observar se ela passou por inspeção. "Deve-se
procurar o carimbo do SIF (Selo de Inspeção
Federal), que fica na própria peça ou, quando se
trata de pedaços pequenos, na embalagem", diz.
Entre as parasitoses da carne, a cisticercose é
a mais freqüente. "Os cisticercos chegam a
atingir 2% do chamado gado bom , aquele
proveniente de frigoríficos de qualidade",
alerta Felício. No caso do carpaccio, o molho,
segundo o nutrólogo Daniel Magnoni, aumenta o
risco de contaminação bacteriana. "Temperos como
a mostarda, o azeite e o vinagre possuem
carboidratos, que são o principal combustível
para o crescimento das bactérias", diz. Carne de
porco e de frango nunca devem ser comidas cruas,
pois é mais difícil evitar que elas estejam
contaminadas.
9
- Alimentos crus são menos calóricos do que
alimentos cozidos?
Em geral, não. O
que ocorre é que, dependendo do tipo de preparo,
o alimento incorpora as calorias de outros
ingredientes. "Se colocamos outros componentes
que têm valor calórico alto, como óleo para
fritar, azeite de dendê, queijo ou banha, o
alimento incorpora as calorias desses produtos",
diz a nutricionista Hilda Duval Barros. No caso
do cozimento apenas com água, os alimentos podem
ficar mais ou menos concentrados - uma carne,
por exemplo, perde água, enquanto o arroz ganha.
10
- É arriscado comer peixe cru?
Sim. Se o peixe
tiver microorganismos ou parasitas e não receber
nenhum tratamento térmico, a contaminação
permanece no alimento. Segundo o nutricionista
Anselmo Resende, quem quiser comer o peixe cru
tem que conhecer sua procedência e observar as
práticas de higiene dos restaurantes. "Alguns
têm laudos técnicos que atestam a boa qualidade
microbiológica do pescado que recebem",
recomenda. Em seu mestrado, defendido em 2004 na
UnB (Universidade de Brasília), Resende analisou
sushis servidos em oito restaurantes de
Brasília. Um quarto estava contaminado por
coliformes fecais acima do limite permitido pela
Vigilância Sanitária. Segundo o nutricionista, a
orientação da Anvisa de congelar o peixe antes
de servi-lo cru elimina o parasita, mas não
acaba com as toxinas. "Se não houver a
manipulação adequada, ele também pode se
contaminar depois de descongelado", diz.
Se os
crudivoristas só comem alimentos crus, outro
sistema alimentar que se contrapõe à comida
industrializada, a macrobiótica, prioriza o
outro lado: alimentos cozidos. Milenar, ela se
baseia em cereais integrais, legumes e vegetais
como uma forma de manter a saúde física e
espiritual. "Macrobiótica significa vida longa.
Já está provado que quem tem uma alimentação
equilibrada vive mais e melhor", diz Neusa
Cavalari, proprietária do restaurante
macrobiótico Integrão (r. Joaquim Antunes, 377,
São Paulo, tel. 0/xx/11/3088-3335).
Ela diz que a
maioria dos alimentos servidos no restaurantes é
cozida, mas que não se trata de uma regra
inquebrável. "Quando temos peixe ou frango,
sempre colocamos uma salada crua para
equilibrar", exemplifica. Mas, em geral, as
refeições do restaurante --que só serve uma
opção de prato combinado por dia-- incluem
legumes e verduras cozidas no vapor. O arroz
integral, ingrediente básico da macrobiótica,
está sempre presente.
Neusa, que tem o
restaurante há 25 anos e pratica a alimentação
macrobiótica há 36, diz que só come alimentos
crus de vez em quando e que conhece várias
pessoas que têm intolerância a esse tipo de
comida. "Eu não consigo comer só folha. Tem que
enriquecer a refeição. Mas sei que isso varia de
pessoa para pessoa", diz.
De acordo com o
médico Sidney Federman, que trabalha na divisão
de doenças crônicas da Secretaria de Estado da
Saúde do Estado de São Paulo, a comida
macrobiótica é um conhecimento popular que
passou pelo crivo da ciência, mas não há nada
que comprove que alimentos crus sejam melhores.
Federman pesquisa o papel da nutrição na
prevenção de doenças crônicas há 20 anos e
escreveu o livro "Alimentação que evita o câncer
e outras doenças".
"Já é
cientificamente provado que ingredientes usados
pela macrobiótica, como o cereal integral, o
feijão, os legumes e o queijo de soja, fazem
bem. Pesquisas concluíram que os cereais
integrais protegem contra 25 tipos de câncer, e
a Organização Mundial da Saúde afirma que eles
previnem enfarte e doenças cardiovasculares. Mas
alguns alimentos devem ser comidos crus, pois
têm substâncias que atuam na prevenção do câncer
e que são inativadas com o cozimento", diz o
médico.
Segundo ele, o
hábito de comer alimentos cozidos provavelmente
se deve ao clima frio do Japão, onde a
macrobiótica se desenvolveu. "Nosso clima é
tropical e adaptamos muita coisa", confirma
Neusa.
Amigo inseparável
de Mogli, o "menino lobo" de Walt Disney, o urso
Balu é o boa-vida da floresta: come "somente o
necessário", ou seja, aquilo que está ao alcance
da mão. A dieta vegetariana crudivorista prega
mais ou menos isso. Os crudivoristas dispensam o
uso do fogão e só se alimentam de comida crua.
Eles defendem que as enzimas presentes na comida
crua auxiliam a digestão.
As vitaminas B12 e
lipossolúveis, no entanto, ficam de fora do menu
dos crudivoristas, segundo o nutrólogo Daniel
Magnoni. "Essas pessoas devem ter uma
alimentação muito variada", afirma.
Para o
nutricionista vegetariano George Guimarães, quem
adota esse tipo de dieta deve estar atento à
ingestão de fontes concentradas de calorias,
proteínas e gorduras. "A pessoa deve ainda
incluir no cardápio alimentos concentrados em
ferro, zinco e vitamina E. Além dos oleaginosos,
como castanhas e amendoins, e das sementes, como
as de girassol, de linhaça e de gergelim",
afirma.
Guimarães também
defende que os crudivoristas devem comer mais e
com maior freqüência. "Os alimentos crus são
menos densos, pois têm mais água e fibras. Por
isso, essas pessoas têm de consumir um volume
maior de alimentos. Outra dica importante é o
consumo de cereais germinados para substituir os
grãos, que não podem consumidos crus."
De acordo com o
nutricionista, esse tipo de dieta é utilizado no
tratamento e na prevenção de doenças crônicas
degenerativas e cardiovasculares em geral. "A
comida crua é mais rica em substâncias
antioxidantes, fibras e fitoquímicos
(substâncias protetoras encontradas nas plantas)
e mais pobre em gordura e hormônios", diz.
A chamada "raw
food" também tem feito sucesso no mundo da
gastronomia. "Muita gente encara o crudivorismo
com fanatismo. O meu interesse é pelo aspecto
culinário", afirma o chef amazonense Rafael
Rosa, 28, o maior especialista do gênero no
Brasil. Professor do Living Light Culinarie Arts
Institute, uma escola de culinária especializada
em comida crua, na Califórnia, Rosa deu
consultoria para o primeiro restaurante de "raw
food" no Brasil, o Deloonix, em São Paulo.
Entre os
ingredientes, estão cereais germinados e
vegetais desidratados. Os pratos muitas vezes
têm uma preparação complexa e demorada. "Há um
queijo feito com castanhas fermentadas por 12
horas na água do trigo germinado. É um prato que
requer tempo e método", diz. Segundo ele, nessa
culinária os alimentos só podem ser aquecidos
até 42º C.
Fonte:
Saúdesaúde |