Alienado, isso
existe!
Alienação é uma
palavra que deriva do latim “alienatio”, de
“alienare”, que significa algo como transferir
para outrem; o que alucina; que perturba. Varias
áreas do conhecimento se encarregaram de definir
a “alienação” segundo seus preceitos e
conceitos, muito próximos entre si. Até mesmo o
individuo comum, que se vale da experiência do
dia a dia, conceitua alienação quando quer se
referir a alguém que não consegue enxergar a
verdade. Verdade que pode ser tão relativa
quanto o conceito de alienação ou a
possibilidade da existência de alguém alienado.
Para a psicologia a alienação é um sentimento de
separação ou de se sentir alheio a alguém como é
o caso de pessoas que se sentem rejeitadas pelos
seus próprios familiares ou, em outros casos
pode ser a loucura progressiva que já não se usa
mais no meio clinico. Em Filosofia alienação é
um estado, uma condição, em que o indivíduo é
posse de alguém ou de algo, o ser deixa sua
condição essencial de ser humano e se torna uma
mercadoria. Ademais, o ser se torna estrangeiro
de si mesmo ou um escravo que perde sua
liberdade de escolha por está submetido a algo
que ele considera mais forte ou mais poderoso. E
sociologia fala-se de alienação colonial quando
se refere a povos que mesmo tendo o poder de
independência se portam como dependentes
econômica e politicamente de outro povo; da
alienação feminina sob o jugo da sociedade
patriarcal ou machista; da alienação da
sociedade de consumo quando se refere a o
consumo induzido e controlado, entre outras
condições humanas que causam sentimentos de
espoliamento. Na Jurisprudência, alienação pode
ser a cessação de bens ou a transferência de
bens ou direitos para outrem. Em política, é a
condição que conduz alguém a adotar um
posicionamento diferente daquilo que existe
propriamente no seu ser. Na engenharia de
produção, alienação tem relação com produto e
fim útil do mesmo. De todos os conceitos de
alienação o que no conduz a uma analise mais
reflexiva e menos dogmática é o proposto pela
filosofia, por inaugurar esse termo com as
teorias de Karl Marx, que no livro “Manuscritos
econômico - filosóficos” define o estranhamento
que tem o trabalhador com o trabalho que aplica
afim de alcançar sua sobrevivência, e
submetendo-se a o trabalho desgastante tornando
o mundo objetivo o único possível e assim o seu
mundo interior se torna mais pobre condicionando
a condição de ser alheio a si mesmo por
pertencer a outro que o transforma em
mercadoria.
“Na determinação de que o trabalhador se
relaciona com o produto de seu trabalho como
(com) um objeto estranho estão todas as
consequencias. Com efeito, segundo este
pressuposto está claro: quanto mais o
trabalhador se desgasta trabalhando
(ausarbeitet), tanto mais poderoso se torna o
mundo objetivo, alheio (fremd) que ele cria
diante de si, tanto mais pobre se torna ele
mesmo, seu mundo interior, [e] tanto menos [ o
trabalhador] pertence a si próprio.” (MARX.
2004, P. 81)
A destruição
do mundo interior do ser humano pela
imposição do mundo exterior é causado pela
obrigatoriedade, Marx diz que o trabalho
realizado pelo ser humano não é voluntario,
mas forçado e obrigatório por está limitado
a suprir as necessidades básicas de
sobrevivência que estão fora do ser humano e
não de carência dentro do ser humano, e por
não ser algo interno e sim externo ao homem,
o trabalho se torna sacrifício e não prazer,
e sendo assim sua estranheza para com sua
função o torna escravo de outro, desse modo
o ser humano não se sente como humano e sim
como animal.
“Chega-se, por conseguinte, ao resultado de
que o homem ( o trabalhador ) só se sente
como [ser] livre e ativo em suas funções
animais, comer, beber e procriar, quando
muito ainda habitação, adornos e etc., e em
suas funções humanas só [se sente] como
animal. O animal se torna humano, e o
humano, animal” (MARX. 2004, P. 83)
A suposição de que o homem pelo trabalho age
como um animal em busca de suprir suas
necessidades mais básicas descarta a
existência de vontade para a realização da
atividade e os resultados que se traduziram
em busca de prazer, até mesmo os animais
buscam suprir suas necessidades básicas que
são fontes de prazer para a sua existência
irracional, o que não é diferente para o
homem a não ser no sentido de que essa
constante busca de prazer por meio dos
frutos do trabalho se faz de maneira
racional. Mas, Marx se esquece da vontade e
se limita a submissão do homem pelo trabalho
imposto por outro homem. O que Marx fez foi
substituir a ideia de homem e divindade de
Feuerbach para trabalho e trabalhador.
Feuerbach no livro “a essência do
cristianismo” diz que o que imaginamos como
verdadeiro é o que acreditamos ser real, e
sendo assim Deus é uma figura da imaginação
que projetamos como real.
“O que o homem
imagina como verdadeiro, imagina
imediatamente como real, porque
originalmente só é verdadeiro para ele o que
é real – verdadeiro em oposição ao que é
imaginado, sonhado (...). Por isso essa
qualidade na qual o homem pensa Deus é para
ele a verdade e exatamente por isso ao mesmo
tempo a mais elevada existência ou antes a
mera existência; porque somente a mais
elevada existência é propriamente existência
e merece este nome. Deus é então um ser
existente, real pelo mesmo motivo que ele é
este ser determinado; porque a qualidade ou
determinação de Deus nada mais é que a
qualidade essencial do próprio homem, mas o
homem determinado é apenas o que ele é, tem
somente a sua existência, a sua realidade em
sua determinação(...)” (FEUERBACH. 2007,
p.50).
E continua, afirmando que Deus é apenas um
pensamento de quem o pensa e acredita como
um ser real. Caso contrario, Deus não existe
porque não foi pensado e nem crido como
real.
“O ser real, sensorial é aquele que não
depende do meu determinar – me – a – mim –
mesmo, da minha atividade, mas pelo qual eu
sou determinado automaticamente; que existe
mesmo que eu não exista, pense e sinta. A
essência de Deus deveria então ser uma
determinada sensorialmente. Mas Deus não é
visto, ouvido e sentido sensorialmente. Ele
não existe para mim se eu não existir para
ele; se eu não crio e penso em nenhum Deus,
então não existe nenhum Deus para mim. Ele
só existe então ao ser pensado, crido - e o
acréscimo para mim para mim é desnecessário.
Portanto, é a sua essência uma essência
espiritual, real, mas que ao mesmo tempo não
é real, objeta-se. Mas um ser espiritual é
precisamente apenas um ser pensado, um ser
crido.” (FEUERBACH. 2007,Pp. 205 - 206)
Karl Marx se
baseando na alienação religiosa constrói
suas ideias sobre a produção capitalista e a
condição do trabalhador diante de sua
função. Porém, esquece-se de salientar que o
ser humano inicia a civilização e a
civilidade pelo trabalho, e sem o trabalho
não haveria civilização nenhuma. A historia
mostra que mesmo em épocas remotas a divisão
do trabalho sempre ocorreu independente do
trabalho produzir riquezas ou favorecimentos
sociais para uns poucos. Se o ser humano é
um animal que se entende humano e um animal
que se condiciona humano, não se excluí a
vontade como potencial para a realização de
qualquer atividade com fins a busca do
prazer e tentativa de evitar sofrimentos.
Mesmo que pelo trabalho sofrido a constância
de busca de prazer. Agindo como
transformador e produtor, o ser humano é
livre para escolher entre fazer ou não algo
que tem um principio e um fim desejado ou
indesejado. A liberdade como ausência de
limites não é possível em dependência do ser
humano pela natureza da qual retira da mesma
sua sobrevivência, assim como não há
possibilidade de liberdade estando o ser
humano em relação com semelhantes em grupo,
que exige organização. Freud elucida que a
sociedade ou civilização utiliza a natureza
para retirar a sobrevivência e se organiza
socialmente para regular as relações entre
seus membros.
“Como se sabe, a cultura humana – me refiro
a tudo aquilo em que a vida humana se elevou
acima de suas condições animais e se
distingue da vida dos bichos; e eu me recuso
a separar cultura e civilização – mostra
dois lados ao observado. Ela abrange por uma
lado, todo o saber e toda a capacidade
adquiridos pelo homem com o fim de dominar
as forças da natureza e obter os seus bens
para a satisfação das necessidades humanas
e, por tanto, todas as instituições
necessárias para regular as relações dos
homens entre si e, em especial, a divisão
dos bens acessíveis.” (FREUD.2010, Pp.
36-37)
Ademais, o ser
humano, por fazer parte de uma cultura,
aprende a conviver com os seus membros
respeitando as regras impostas e
participando das atividades que lhe são
uteis para as realizações pessoais. O que
pode parecer forçoso e desgastante é uma
necessidade do ser humano de obter
felicidade. Freud diz que (p.99) “uma boa
parte da luta da humanidade se concentra em
trono da tarefa de encontrar um equilíbrio
conveniente, ou seja, capaz de proporcionar
felicidade, entre essas exigências
individuais e as reivindicações culturais
das massas”. O que seriam essas exigências
individuais que vem antes das reivindicações
culturais? As tais reivindicações são a
ordem e a manutenção do grupo pelo individuo
que renuncia seus impulsos danosos à
sociedade estabelecida, e as exigências de
si para si na busca de prazer. O que é
percebível é que a alienação como uma
condição de tornar o ser humano alheio a si
mesmo é uma condição impossível por haver
concordância do ser humano em participar do
grupo que ordenará as condições sociais e
buscar, por meio da sua condição social,
meios de alcançar felicidade. A felicidade
que não está fora do individuo porque nasce
da condição desejosa do próprio individuo em
relação ao que está ao seu alcance, é o
fator principal da sua condição de membro
mantenedor do seu grupo social e da sua
condição cultural. Poderíamos afirmar que
mesmo assim o individuo é alienado por não
se perceber como fonte de produção social ou
da própria sociedade, mas estaríamos
incorrendo no erro de não averiguar sua
condição se optar por ser ou não parte do
grupo e das reivindicações estabelecidas
pelo grupo. A essa condição chamamos de
liberdade de escolha o que é diferente do
utópico livre arbítrio. O livre arbítrio é
improvável de existência por oferecer uma
infinidade de escolhas ao ser humano, quando
sua condição social o limita por necessidade
de organização. Se o livre arbítrio fosse
verdadeiro o ser humano não poderia
organizar-se social, econômica, politica e
juridicamente porque nenhuma regar seria
viável diante das variáveis possíveis de bem
estar considerado pelo individuo. Em
contraposição ao livre arbítrio que soa como
libertinagem, a única possibilidade é a
liberdade de e se escolher como membro de
uma sociedade que se organiza de acordo com
suas necessidades. Sendo que liberdade de
escolha não é libertinagem de ação ou de
comportamento, pois inflige às normas
sociais.
Voltando ao conceito de alienação do
trabalhador que desconhece os frutos do seu
trabalho e assim sofre por não ter outra
condição que não trabalhar, e que desse modo
se torna alheio a si mesmo por
supervalorizar o que está fora de si, o que
controla suas ações. Entenderemos que não
existe individuo que não entenda sua
condição social e que não reconheça suas
capacidades de produção, de igual modo não
existe quem pratique uma ação sem se
reconhecer como praticante de tal ação, em
exceção os que sofrem de demência ou
perturbações mentais. Mas se supormos, que
certa categoria de funções social torna
alguém alienado é concordar que todos somos
alienados até mesmo quando falamos que
alguém ou certa categoria de individuo é
alienado. Todas as pessoas, independente do
que faça, não é um alienado por saber o que
está fazendo e por se perceber capaz de
parar de fazer ou de se permitir parar de
continuar a fazer algo. Do mesmo modo, todos
reconhecem autoridades superiores a si e
reconhecem também se possuem competências e
habilidades que o possam tornar igual ou
melhor do que aquele que se apresentam como
superiores. Se desejarmos uma sociedade de
alienados veremos que a nossa não se
enquadra por ser constituída de indivíduos
que tem suas individualidades e que convivem
em coletividade respeitando o que é próprio
do que é coletivo.
Alguns pensadores falam da perda da essência
como sendo o fator primordial da alienação.
Mas o que é essência? A essência parte da
pergunta “o que?”, por exemplo, ao
perguntarmos “o que é o homem?” e indicamos
como resposta que ele é “um ser racional”,
ou quando respondemos que o homem é a
“imagem e semelhança de Deus” indicando
assim sua substancia, ou quando concordamos
levianamente que o homem é a “evolução de
primatas” afirmamos sua existência
proveniente de uma evolução ocorrida ao
acaso dos acontecimentos. Ao concordar que o
homem é um ser alienado, estamos confirmando
que o homem é o resultado de um processo de
distanciamento de si mesmo ou que ele é um
escravo por natureza. Dizer que o homem é
alienado é propor como essência do homem a
escravidão e descartar a possibilidade de
liberdade, mas isso nem os filósofos da
alienação consideravam por não desejarem se
enquadrar na condição de alienados. A
essência do homem não é a escravidão e sim a
liberdade, se temos que denominar uma
situação de escravidão não podemos limitando
essa condição ao mero acaso da alienação, o
escravo se percebe escravo só não possui os
meios necessários a sua liberdade já o
alienado nem como tal é capaz de se perceber
o que o torna um escravo voluntario sem que
se perceba como escravo, assim sendo
estariam mais para homens sem alma, seres
feitos de placas e circuitos eletrônicos
programados para uma ação determinada que
seres humanos que sonham, pensam, imaginam,
raciocinam e criam. Considerar o ser humano
como ser alienado é uma afronta ao “ser”.
Para Martin Heidegger o “ser” é sempre o ser
de um ente; o ente é tudo o que tem sentido
para o ser.
“Chamamos de “ente”muitas coisas e em
sentidos diversos. Ente é tudo de que
falamos, tudo de que entendemos, com que nos
comportamos dessa ou daquela maneira, ente é
também o que e como nós mesmos somos. Ser
está naquilo que é e como é, na realidade,
no ser simplesmente dado (Vorhandenheit), no
teor e recurso, no valor e validade, na
presença, no “há””. (HEIDEGGER. 2004, P.32)
Desse modo o ente é o que damos significados
a ele, um ente para o ser é algo que se
distingue dos demais pelo fato do ser
compreender e dar significado ao mundo em
que se insere. O ente é destituído de mundo
por precisar de significação e sentido que
lhe é dado pelo ser, ele só existe pelo ser.
Transportando essa ideia para o que se
denomina de alienação fica claro que a
alienação não está no ser mais recebe
significação pelo ser, para ter significado
é preciso que o ser a entenda na “presença”.
“A presença não é apenas um ente que ocorre
entre outros entes. Ao contrario, do ponto
de vista ôntico, ela se distingue pelo
privilegio de, em seu ser, isto é, sendo,
estar em jogo seu próprio ser. Mas também
pertence a essa constituição de ser da
presença a característica de, em seu ser,
isto é, sendo, estabelecer uma relação de
ser com seu próprio ser. Isso significa,
explicitamente e de alguma maneira, que a
presença se compreende em seu ser, isto é,
sendo. É próprio deste ente que seu ser se
lhe abra e manifeste com e por meio de seu
próprio ser, isto é, sendo. A compreensão do
ser é em si mesma uma determinação do ser da
pre-sença.” (HIEDEGGER. 2004, p.38)
A “pre-sença” é a existência do ser que
também é ente por ser percebida, entendida e
vivenciada com significado pelo ser. Se um
indivíduo trabalha como operador de maquinas
este entende sua função social, mas não se
percebe como parte da fabrica em que ele
atua como operador de maquinas. Porque sua
existência não é um ente fora de seu ser,
seu ser só é sendo no tempo em que ele
estar. E sua própria presença no tempo se
faz pela compreensão do ser no mundo, não há
ente sem o ser e não há mundo ser que o ser
o perceba. Ser no mundo é dar significado e
está dentro do mundo, “O que diz serem? De
saída, completamos a expressão, dizendo: ser
“em um mundo” e nos vemos tentados a
compreender o serem como um estar “dentro
de”...” (HIEDEGGER. 2004, p. 91). Se digo
que sou alienado assim o serei porque
entendo a alienação como um ente que sou e
que presencio no mundo em que compreendo-me
nele. Por esse prisma o alienado só é se, se
entender como sendo, caso contrario não será
por não se reconhecer como tal. Alegar que
não se reconhecer como ser alienado é ser
alienado, é absurdo e destituído da
realidade do ser que é sendo e para ser
precisa compreender, significar e
constituir-se no mundo como sendo algo. “O
conhecer a si mesmo se funda previamente num
já-ser-junto-ao-mundo, no qual o ser da
presença se constitui de modo essencial” (HIEDEGGER.
2004, p.100).
Afirma que o se não se pertence ou não tem
mais controle sobre si é estar rotulando
todos os seres humanos de dementes ou
loucos. Ou que o ser se vê privado de tornar
outrem é não valorizar o ser como sendo e
que para ser ele precisa se perceber, essa
percepção se dar no mundo em relação ao com
o que é o ente. Ademais considerar o ser
como um estrangeiro de si mesmo é concordar
que não há ser autentico em hipótese nenhuma
e nesse rol de seres absortos de si mesmo,
que nada enxergam, nada pensam e nada são.
Mas, há ainda que se referir a condição de
mercadoria, se assim for o veiculo da
alienação então todos somos mercadorias por
sermos todo o resultado de uma cultura que
sobrevive pela produção e reprodução do que
é necessário para a sobrevivência no seu
mais amplo sentido e não só no sentido míope
de comer e procriar. Se podemos falar de
alienação nos dias atuais é somente como
rotulação de um ser em relação ao outro,
onde A diz que B não entende o mundo de A e
que B é alienado, ou em correntes de
pensamento que se tratam como libertarias da
condição de escravo do ser que se deixa
escravizar por meios do isolamento de si em
relação a algo ou da falta de compreensão de
algo, mais ainda assim o alienado seria
apenas uma opinião e não uma condição real.
A realidade que cada um percebe como real
não é outra coisa senão a condição de ser no
mundo e ser para si.
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Referencias Bibliográficas
FEUERBACH, Ludwing. A essência do
cristianismo.Vozes. Petrópolis.2007
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. LePM
editores.2010
______________. O mal - estar na cultura.
LePM editores.2010
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Parte I.
Petrópolis. Vozes. 2004
MARX, Karl. Manuscritos
economico-filosoficos. Boitempo editorial.
São Paulo.2004
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